quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Os Sinos de São João del Rey

Um sino bateu plangente, com voz rouca e sonora, como se fosse o capitão de um batalhão . Capitão! Capitão!

Outro respondeu ao longe com voz débil, fina, de súdito humilde, dizendo :estou aqui! Estou aqui!

Mais ao longe outra voz se erguia fazendo presença nas conversas de tantos badalos: eu também! Eu também!

As vozes vinham do Carmo, das Mercês, da São Francisco, da Pilar, da Rosário e mais outros se juntaram para formar uma musicalidade com séculos de história, sempre na mesma melodia, sempre na mesma ordem. Anos e anos, séculos e séculos, anunciando o passar das horas para senhores donos de fazendas e senzalas e escravos humildes servidores, para bandeirantes aventureiros que vieram do Vale do Paraiba e pequenos faiscadores nascidos na terra, para inconfidentes intrépidos que planejavam a república e para militares altivos que promoviam a cobrança de impostos.

Agora, contam para turistas , feijão de fora, deslumbrados, e para o feijão da terra, as memórias de tramas e traições, de amores e seduções, de Tiradentes, Alvarenga Peixoto e Bárbara Heleodora.

São os sinos de São João Del Rey que deixei penetrar em meu sangue para perceber a riqueza do passado histórico dessa cidade que já foi a dona de quase toda Minas Gerais.

Estávamos ali, com nossa filha, de frente ao Museu Regional, do outro lado do Lenheiro, desfrutando de tranqüila paz e instigando a cidade para que abrisse seus segredos e mistérios.

Os sinos de Nossa Senhora do Pilar nos conta a história narrada por Lincoln de Souza. Dona Virginia Cabral, octogenária, viúva, que no dia das almas despertou, com as conhecidas badaladas do sino da Matriz de N. S. do Pilar, chamando os fiéis para o tradicional ofício religioso denominado "Missa das Almas".

- "Quê! Já 5 horas?" - E, sem consultar o relógio, ainda sonolenta e tiritando de frio, vestiu às pressas sua eterna saia preta de viúva, passou o xale em volta dos ombros e rumou para a igreja.

Na sua miopia de octogenária, não reparou nas feições dos que lá se encontravam, mas percebeu que o templo se achava repleto e o padre, no altar-mor, se movia de um para outro lado com tal leveza como se fosse feito de fumaça.

O rosário ia correndo lentamente entre os seus velhos dedos descarnados, os seus olhos se perdiam num êxtase beatifico ante a imagem da Virgem, quando ouviu o relógio da torre bater horas . Começou mentalmente a contá-las. Céus, não estaria enganada?! - Quatro... cinco... seis... sete... Sentiu tremer-lhe todo o corpo. Oito... nove... E quando soaram as doze horas - doze horas da noite e não do dia! como por encanto, tudo desapareceu: padre, sacristão, fiéis, as luzes se apagaram e as portas se fecharam por si!..

Então, presa e solitária, naquele recinto sagrado, em plena treva, e compreendendo, afinal, que participara de um ofício celebrado e assistido por mortos, tomada de indescritível pavor, rolou pesadamente ao solo, desacordada...

E quando, no dia seguinte, o sacristão abriu a igreja, para a costumeira Missa das Almas, d. Virgínia continuava ali, junto à porta principal, por onde certamente procurara fugir, lívida como um cadáver, ainda sem sentidos, sobre a frialdade dos ladrilhos...

2 comentários:

Rita Elisa Seda disse...

Hahahahaha!... se eu tivesse nessa Missa das Almas, teria de mudar meu nome para Virgínia, pois fazer parte dos mortos não é agora o meu propósito. Que emoção! Beijos, felicidades e a paz!

Anônimo disse...

que maneiro esse site

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