quinta-feira, 15 de novembro de 2012

SER CAMINHO



                           
                                                 

O Mestre Arobiai olhou com olhos profundos a multidão que se estendia na relva, sob seus pés. Homens e mulheres das mais variadas idades e etnias, crianças e adultos, alguns cansados outros relaxados, todos tinham um único ponto de interesse, seus olhos buscavam uma única fonte de luz que era a figura pacífica, solene e acolhedora do mestre da todas as horas.

A tarde caia calma, com poucas nuvens e refrescada por uma brisa leve e suave que ondulava cabelos e fazia farfalhar as poucas árvores. De olhos profundos fitos na multidão o Mestre falou:





                                                     
A bondade habita em todos os corações, mas muitas vezes é necessário sacudi-la para que ela acorde e se ponha a trabalhar. Certa vez uma menina se perdeu durante a grande festa da padroeira. Ela tinha ido com os irmãos, para apreciar os objetos e utensílios expostos pelos comerciantes em suas tendas e também para se divertir nos carroceis e barcas que embalavam a noite barulhenta. Foi aí, durante o folguedo que ela se perdeu. A chuva caiu, fininha e gelada, uma cortina esbranquiçada no clarão das luzes, e ela correu para se abrigar, e se separou dos irmãos. O corpo frágil ficou encharcado de chuva e perdeu calor e ela tiritava de frio e pediu ajuda e chorou de medo e o sal de suas lágrimas se confundiram como doce da chuva, no seu rosto tenso. Alguém a viu e ofereceu ajuda e quis saber onde ela morava e lhe ensinou o caminho. Siga andando nesta direção, vá em frente sem medo, lá no final da rua vire á direita e ande três quarteirões e em seguida vire a esquerda e você encontrará uma pracinha, pegue a primeira rua à direita e estará em casa. Com passos tímidos, braços cruzados sobre o peito, tremendo e chorando , a menina se pos a caminhar, seguindo o roteiro traçado por seu bem feitor. As luzes da cidade e as luzes dos carros se embaralhavam nas lágrimas que sentiam desespero. Um senhor de meia idade a abordou para saber o que estava acontecendo. Ciente do problema ele tirou seu paletó e colocou no ombro da criança, tomou-lhe as mãos e disse que a levaria até sua casa. A noite acompanhou os dois vultos na rua molhada e os viu chegar na casa da menina.





A multidão ouvia com o silencio daqueles que prestam atenção e se interessam pela história. Então o Mestre conclui. Ambas pessoas usaram de carinho e amor para com a menina, tanto aquela que lhe ensinou o caminho como a outra que a levou para casa. Aquela que lhe mostrou o caminho usou de amor, não há dúvida nenhuma, foi boa e caridosa, no entanto aquela que a levou para casa teve um amor maior, se despojou e foi seu guia. Assim é a vida. Uns nos mostram o caminho e estes são bons, outros caminham juntos e estes são muito bons. Uma coisa é indicar o caminho e outra é SER O CAMINHO.



domingo, 28 de outubro de 2012

A cachaça, o trabalho e o homem







A Cachaça a Deus do Céu

Tem o poder de empatar

Porque se Deus da o juízo

A Cachaça pode tirar



O churrasco rolava gostoso, a saudade bate em retirada quando a cantoria fica mais animada, quando a garganta é molhada com uma pinguinha de boa safra. É coisa de brasileiro o churrasco comemoração e a pinga, pura ou na caipirinha, ou até em outras associações. Já vi sorvete de pinga.

Mas não foi sempre assim. Houve uma época, e isso faz muito tempo, que em Portugal a pinga se chamava cachaça e era sub produto dos bagaços de uvas esmagadas pelos pés, como a graspa que hoje encontramos nas adegas produtoras de vinho, e não era bebida por gente fina. Sá de Miranda, poeta português que faleceu em 1558 registra a cachaça no seu canto às quintas fidalgas lusitanas e Luis da Câmara Cascudo escreve um prelúdio sobre a “água que passarinho não bebe”. Quando se está numa reunião de amigos ou em alguma comemoração a primeira dose é chamada de abrideira, pois ela abre a conversa, é o início da festa, é diferente da saideira, que é a dose de despedida, a que dá o adeus. Uma á a chegada e a outra a saída e entre elas um universo de acontecimentos marca a data. Saint Hilaire, em 1819, afirma que o brasileiro é amante da cachaça, mas não é cachaceiro. No jantar tomar uma dose doméstica da branquinha, pura e envelhecida, de cheiro doce e sabor macio é um ritual que herdamos de nossos antepassados. Só o Brasil sabe apreciar essa especialidade com a certeza de quem conhece o assunto. Os estudiosos dizem que ela teve muitos nomes, adequando-se à sociedade local, igual a gente troca de roupa conforme o clima ou de acordo com a época do ano. Dizem que durante a fabricação do açúcar na época colonial, saia do melaço um vapor que se condensava nos caibros e pingava no chão.Os escravos bebiam desse liquido e se sentiam alegres e animados. Por isso a cachaça também é chamada de pinga.

Mas há uma espécie defeituosa, “ aquela que matou o guarda’, mal destilada, feita sem capricho em alambiques deteriorados, cheia de aditivos perigosos, vendidas nos butecos sujos e nas vendas de beira de estrada. Essa bebida queima como vulcão e explode no estomago provocando azia e arrebenta na cabeça deixando tonto. È dela que Inezita Barroso canta: “ a marvada pinga é que me atrapaia, aqui mesmo eu bebo, aqui mesmo eu caio....” Há quem a tome encostado no balcão e jogando um pouco no chão dizendo que é para o “ santo”, há quem a tome tapando o nariz porque não gosta do cheiro, e há aqueles, ainda, que a tomam por estarem tristes, ou alegres, ou com frio...


                                                       

Não sei porque uma bebida tão cheia de história, tão brasileira, é tomada de qualquer jeito, em butecos sujos e mal afamados, por pessoas que a bebem até cair. Ela devia ser tomada em cálice de cristal, em pequena dose, após um ritual de conversa, com a cerimônia das grandes bebidas. Nunca tomá-la sozinho ou encharcar-se dela. Beber com moderação é a grande arte de quem tem bom gosto.É beber para apreciar e não para se consumir num mar de “fogo”.