segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Meus Dois Amores

Tive uma grande alegria com a oportunidade de comemorar dois grandes amores, o amor do céu  no dia de Corpus Christie e o amor da terra no dia dos namorados
O amor do céu  me cobre de bênçãos e me ama de um modo infinito desde toda a eternidade; o amor da terra me cobre de beijos com uma ternura que teve inicio em um dia mas que jamais terá fim. O amor do céu me chama de filhinho e cuida de minha alma; o amor da terra me chama de amado e se preocupa com minha saúde.
Para o amor do céu eu dobro os joelhos em oração; para o amor da terra eu abro os braços para um longo abraço. O amor do céu está na raiz de minha fé e o amor da terra no vigor de minhas forças, um deu o seu sangue para me salvar, o outro me da a partilha diária de um longa caminhada.Este é serenidade como a brisa que antecede o vento, aquele é encantamento vivido a cada momento.
O amor do céu é a luz que me guia no caminho da verdade e o amor da terra é a mão firme que me ampara e ajuda na caminhada desse caminho. O amor do céu é total e basta a si mesmo, o amor da terra é imperfeito e necessita do meu amor para continuar existindo. Ambos são grandes e poderosos, um na grandeza infinita de Ser Deus e o outro na grandeza humana de ser esposa.
Um é o Deus que em mim criou o mundo e o outro é a companheira que comigo criou os filhos.
Um é o sol que aquece a terra e a inunda de luz, o outro é a candeia que ilumina a casa e aquece a família. O amor de Deus é infinito, não tem tempo mas está no tempo, não tem espaço mas está em toda parte, o outro é o amor da esposa que estando no tempo se torna infinito e vivendo num espaço se torna eterno.
E eu me sinto feliz por ter esses dois amores e fazer parte da vida de cada um deles.
Não consigo viver sem os dois e com eles construí uma vida e alicercei um lar, com eles eu me vi sendo religioso, amante, esposo e pai. Eu me realizei nessas duas vertentes, pois elas se misturam no maravilhoso mistério da vida.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Os Sinos de São João del Rey

Um sino bateu plangente, com voz rouca e sonora, como se fosse o capitão de um batalhão . Capitão! Capitão!

Outro respondeu ao longe com voz débil, fina, de súdito humilde, dizendo :estou aqui! Estou aqui!

Mais ao longe outra voz se erguia fazendo presença nas conversas de tantos badalos: eu também! Eu também!

As vozes vinham do Carmo, das Mercês, da São Francisco, da Pilar, da Rosário e mais outros se juntaram para formar uma musicalidade com séculos de história, sempre na mesma melodia, sempre na mesma ordem. Anos e anos, séculos e séculos, anunciando o passar das horas para senhores donos de fazendas e senzalas e escravos humildes servidores, para bandeirantes aventureiros que vieram do Vale do Paraiba e pequenos faiscadores nascidos na terra, para inconfidentes intrépidos que planejavam a república e para militares altivos que promoviam a cobrança de impostos.

Agora, contam para turistas , feijão de fora, deslumbrados, e para o feijão da terra, as memórias de tramas e traições, de amores e seduções, de Tiradentes, Alvarenga Peixoto e Bárbara Heleodora.

São os sinos de São João Del Rey que deixei penetrar em meu sangue para perceber a riqueza do passado histórico dessa cidade que já foi a dona de quase toda Minas Gerais.

Estávamos ali, com nossa filha, de frente ao Museu Regional, do outro lado do Lenheiro, desfrutando de tranqüila paz e instigando a cidade para que abrisse seus segredos e mistérios.

Os sinos de Nossa Senhora do Pilar nos conta a história narrada por Lincoln de Souza. Dona Virginia Cabral, octogenária, viúva, que no dia das almas despertou, com as conhecidas badaladas do sino da Matriz de N. S. do Pilar, chamando os fiéis para o tradicional ofício religioso denominado "Missa das Almas".

- "Quê! Já 5 horas?" - E, sem consultar o relógio, ainda sonolenta e tiritando de frio, vestiu às pressas sua eterna saia preta de viúva, passou o xale em volta dos ombros e rumou para a igreja.

Na sua miopia de octogenária, não reparou nas feições dos que lá se encontravam, mas percebeu que o templo se achava repleto e o padre, no altar-mor, se movia de um para outro lado com tal leveza como se fosse feito de fumaça.

O rosário ia correndo lentamente entre os seus velhos dedos descarnados, os seus olhos se perdiam num êxtase beatifico ante a imagem da Virgem, quando ouviu o relógio da torre bater horas . Começou mentalmente a contá-las. Céus, não estaria enganada?! - Quatro... cinco... seis... sete... Sentiu tremer-lhe todo o corpo. Oito... nove... E quando soaram as doze horas - doze horas da noite e não do dia! como por encanto, tudo desapareceu: padre, sacristão, fiéis, as luzes se apagaram e as portas se fecharam por si!..

Então, presa e solitária, naquele recinto sagrado, em plena treva, e compreendendo, afinal, que participara de um ofício celebrado e assistido por mortos, tomada de indescritível pavor, rolou pesadamente ao solo, desacordada...

E quando, no dia seguinte, o sacristão abriu a igreja, para a costumeira Missa das Almas, d. Virgínia continuava ali, junto à porta principal, por onde certamente procurara fugir, lívida como um cadáver, ainda sem sentidos, sobre a frialdade dos ladrilhos...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Experimentar para conhecer

Há certos momentos ou certas épocas do ano em que minha casa fica cheia de gente, é o Natal, a passagem de ano, o carnaval. Pode ainda ser qualquer outra desculpa, como um simples aniversário, para que todos acorram para esta cidade e para nossa casa. Aí a rotina de ser apenas eu e minha esposa é quebrada. A casa fica cheia de sons, risos, músicas diferentes, brincadeiras. Não se tem hora para o banho, para café da manhã e nem para as refeições. Tudo fica alvoroçado. São momentos de muita alegria, de confidencias, de projetos. Os homens no quintal jogando um truquinho, bebericando uma cerveja e contando vantagens. As mulheres deitadas na nossa cama, todas juntas, mãe e filha e netas, colocando a fofoca em dia. A alegria e a felicidade brilham nos olhos de todos.

Meu neto vem da capital paulista e traz com ele um amigo que nunca veio ao interior, nunca viu uma galinha e não conhece um chouriço.

Lá em Cachoeirinha tudo era novidade para ele e se deslumbrava como uma criança no dia de Papai Noel. Meu neto foi seu cicerone, seu anfitrião e foi lhe mostrando as maravilhas da terra, aqui um pé de caqui, acolá a laranjeira, mais além as pereiras eretas e solenes, valentes guardiães com as lanças erguidas em posição de marcha. O rapaz tirava fotos alvoroçado com as descobertas como se fosse um novo bandeirante. As pitangas o encantaram. Nunca tinha visto aquelas frutinhas vermelhas parecendo pequenas abóboras e queria saber de seu sabor.Nenhuma explicação era elucidativa e só quando provou um fruto é que ficou conhecendo seu sabor.

A doçura cabocla da frutinha ativou sua papilas, encheu de sabor a boca e explodiu nos olhos maravilhados pelo encanto.

Conheceu pela experiência.

Não foram as palavras que lhe revelaram o sabor escondido , mas for o encontro com o fruto que o revelou.

Não poucas vezes procuramos o conhecimento de Deus pela literatura, pela decodificação de tantos teologias, pelo saber de muitas idéias e não percebemos que jamais iremos conhece-lo se não O experimentarmos por um contato pessoal e intimo, se não sentirmos o seu sabor dentro de nosso coração.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Mistério da Saudade


O velho Mestre Arobiai caminhava por entre flores e arbustos de um campo aberto instruindo os discípulos sobre a vida e o amor.

Um discípulo perguntou:

- Mestre o que é a saudade?

Arobiai olhou para aqueles olhos límpidos e curiosos, agachou, colheu uma pequena flor silvestre e a ofereceu ao discípulo. Este olhou para a flor e para o Mestre e nada entendeu. Foi então que a sabedoria que mora no coração dos velhos falou:

- A saudade é como esta flor. Ela existe, não mais está presa ao vegetal em que nasceu, mas mesmo assim carrega dentro de si, a mesma seiva que a formou e lhe deu vida. Um pouco da seiva de vida ficou no arbusto em que ela estava, outro pouco está na flor colhida. O arbusto não tem mais a flor, mas a sente presente na seiva, como uma perna amputada que parece permanecer inteira; a flor não tem mais o arbusto, mas o sente, ainda, na seiva que ficou presa em si. A saudade está na ausência na mesma proporção em que a ausência está na saudade. Ambas vivem e se alimentam na mesma fonte.

O discípulo ficou pensativo a olhar a flor que sua mão segurava com delicadeza

Arobiai continuou:

- Olhe firme e demoradamente para este campo cheio de flores das mais variadas espécies e cor. Agora feche os olhos. Você não vê mais as flores, mas sabe que elas existem, que elas estão aí. Não é porque você não as vê que elas deixam de existir. As flores e o campo continuarão a estar aqui, continuarão a existir, embora você não possa vê-los. Se você abrir os olhos voltará a ver as mesmas flores. A mesma luz, o mesmo sol, as mesmas cores.

Assim é a saudade. Muitas vezes pensamos que perdemos pessoas e coisas e nos afligimos dizendo que estamos com saudade. Na verdade apenas estamos de olhos fechados. Um dia abriremos os olhos e perceberemos que tudo continua como antes, pois as pessoas que amamos e que partiram continuam , por um mistério de amor, junto de nós.

Um dia a saudade baterá à porta e devemos nos lembrar que estamos de olhos fechados, que caminhamos de olhos fechados, que não vemos o que queríamos ver; mas que há em nosso meio uma presença santa a silenciosa, persistente e indefinível.

Algumas vezes, Deus permite que sintamos essa presença .

Muitas vezes procuramos explicar porque alguém se foi tão de repente sem saber que não há explicação para os mistérios de Deus. Por isso sabemos que quem partiu continua presente como a seiva que ainda está na flor, ou como os olhos fechados no campo de flores. Mas acima de tudo sabemos que saudade é um exercício de fé, pois é um acreditar naquilo que não se vê.

sábado, 31 de julho de 2010

A caixa preta

Eram todos muito unidos e tranqüilos formando uma família modelo, profundamente religiosa, participativa na comunidade sem perder as missas dominicais. Todo dia quando chegava do trabalho o pai reunia os filhos para que contassem as novidades e dissessem o que fizeram , narrando os acontecimentos da escola, da cidade e depois dava sua benção.

.A mãe cuidava da casa, das roupas, da alimentação e ainda tinha tempo livre para as obras sociais e socorrer os pobres.

Antes de ir dormir faziam uma oração conjunta agradecendo pelo dia e prometendo serem melhores. O lar respirava paz.

O demônio não conseguia quebrar a tranqüilidade e nem trazer desequilíbrio.

Até que um dia, por ciúme e por maldade, a diabólica criatura descobriu um meio para desestruturar essa família.

Apresentando-se como amigo ofereceu-lhes uma caixa preta, aparentemente inocente, que dizia estar cheia diversão e de conteúdo educacional. Com ela os filhos iriam aprender melhor, conhecer o mundo, viajar na História, e para a mãe teria receitas culinárias e eventos fashions.

A caixa foi ligada e todos ficaram maravilhados com seu conteúdo, havia histórias educativas, filmes e desenhos para as crianças, futebol para o papai, culinária para a mamãe e muitas diversões para todos. Tinha até Missa. Era só mudar de canal, de emissora. Glória a Deus! As coisas estavam mais convidativas, a vida ficou mais alegre, mais fácil até. Não precisava mais ir ao Estádio pois em casa existia mais conforto sentadinho no sofá, pipoca e refrigerante na mão. E os filmes...quanta coisa bonita....

E as novelas entraram na casa.........e aos poucos a vida foi mudando e eles foram copiando o modo de falar das novelas, torciam e tomavam partido pelos personagens e os confundiam com a vida real.O guarda roupa recebeu nova contribuição e o visual dos jovens mudava a cada novela.

As refeições eram tomadas as pressas ou saboreadas no sofá, de olhos vidrados na caixa preta. Nem se ia mais a Igreja, pois a Missa era assistida ali na própria casa entre conversas e andanças, nem se rezava para dormir e não tinham mais a benção diária do papai.

De repente ela se tornou importante e foi preciso tirar o imagem de Cristo que estava em cima da mesa para dar seu lugar a ela.

Com essas mudanças vieram os desencontros, os conceitos não éticos, a experiência da bebida e a discussão sobre sexo. Os pais combatiam as mudanças, mas os filhos se diziam atualizados com a vida.

A mudança nos costumes foi severa.

Já não se falava em Deus, mas conversava-se sobre artistas e novelas.

Já não se fazia refeição em comum, mas cada um pegava seu prato e ia para o sofá.

Já não se tinha a conversa e a benção do fim de tarde quando o pai chegava, pois as atenções estavam em torno da novela das seis.

A paz foi rompida....

Um certo dia, após uma violenta discussão com os filhos e de colocar a culpa na falta de pulso da mãe, o pai ouviu o matracar de um pássaro, bicudo e preto, na árvore do jardim.........

Era a gargalhada do diabo, contente, pois finalmente conseguira quebrar a tranqüilidade e o equilíbrio de uma família.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A Mudança

Foi então que a conversa rolou. A mesa cheia de garrafas vazias e João reclamando que não sabia que tipo de cerveja estava tomando. Brahma? Antarctica? Tudo agora é igual. As fábricas se uniram e a gente não sabe mais o que está bebendo. Já não há mais prazer em beber. Eu, disse João, só bebo a minha marca preferida, mas quem me garante que o que está neste rótulo é a cerveja que eu gosto ? Quem garante que não é outra?

E eu me recordei de um caso verídico que deu muito o que falar.

Há muitos anos correu o boato de que o sul de Minas, região de Pouso Alegre, Santa Rita, Itajubá , Delfim Moreira e mais algumas cidades iria passar para o Estado de São Paulo.

A conversa na época era até fastidiosa, os comentários os mais diversos, uns aprovando, outros rejeitando. Houve até pessoas que ensaiaram uma pronúncia tipo paulista do interior, carregada em tês ( tt ) e em dês ( dd), tipo " o ttittio comprou um Fordde verdde".

Joaquim Tereza era um homem do interior. Lá dos grotões da Mantiqueira. Ele foi mais longe. Vendeu seu sítio no alto da serra. Bela morada de janelas azuis, com canteiros de flores misturadas com ervas medicinais, pomar cheio de frutas, muitos marmelos e pêssegos, água encachoeirada que fazia murmúrio a noite todinha acalentando o sono daquela gente simples e ingênua. Tudo foi vendido, até a égua alazã, companheira de caminhadas, cria da casa, dócil como um gatinho.

Dona Maria dispôs da população do galinheiro, as galinhas d´angola que sempre reclamavam que estavam fracas, o galo garnisé que provocava brigas com o galo índio e fugia correndo pelo campo afora, os patos achatados de gordos e os marrecos que davam alarme quando alguém se aproximava do sítio. Ela recolheu algumas flores, um pouco de terra para levar como lembrança. O céu azul e as nuvens que brincavam de carneirinhos foram recolhidos por seus olhos e guardados no coração. No coração há sempre lugar para a imagem do que a gente ama.

Tinham que partir, ir embora.

Os olhos que partiam levavam bem nítidas as imagens daquele rincão da Mantiqueira . O corpo partia, ia embora, mas a alma continuaria presa àquelas paragens onde viveu uma vida feliz. Foi alí que o casal criou seus 11 filhos.

Recordação a gente não mata. Recordação a gente alimenta para que ela cresça e se reproduza em muitas saudades.

Compadre Tonico ainda tentou demover seu Joaquim da idéia de mudança. Qual o quê... Nada abalou aquela decisão: homem que é homem não volta atrás, argumentou. Com dor no coração, com peso na alma, mas tinha que partir, ir embora, pois tudo aquilo iria passar para o Estado de São Paulo, e Dona Maria, a Nhãnhã, não se dava bem com o clima de São Paulo, e ele fazia qualquer coisa para ver sua velha com saúde.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A Carta

Deito-me escarrapachado, de costas, e espero.
O sono não vem. O teto está insensível, pálido, inexpressivo. Só a lâmpada, bem no meio, quebra a monotonia da cor. Mais nada. Nem um bichinho, uma formiguinha sequer.
Os olhos estão acesos, elétricos e se recusam a fechar. Pela janela o céu zomba de minha insônia. A lua pálida, sem graça. A mesma que na noite anterior eu cantei em serenata.

Será que ela ouviu a serenata? Voz e violão! Voz apaixonada, ardente, cheia de promessa e violão comparsa, amigo e companheiro. A lua ,bela, fértil de mistérios e companheira da sedução. A música saiu natural, cálida, da garganta sedenta de amor. Música de seresta para agasalhar coração e fazer bulício na janela amada. O frio da madrugada se tornou calor de vulcão quando a luz se acendeu por trás das janelas fechadas. Era ela que tinha ouvido o som de minha alma.. Tinha que ser ela. Só ela poderia entender a oferta da madrugada. A música era para ela, portanto só podia ser ela. Mil rouxinóis despertaram dentro do peito e a segunda música foi um vendaval de paixão, fluente, harmoniosa, cheia de cores. O violão bateu sonoridade e tremeu de alegria com o braço coberto pelo sereno da madrugada.

Ela não iria agüentar tanta sedução. Ela iria se mostrar, sorrir, agradecer e quem sabe atirar uma rosa. Uma simples rosa que seria guardada como totem do amor. Seria símbolo de felicidade mesmo quando suas pétalas secas estiverem entre as páginas de um diário. Sacramento de esperança, de amor.
A janela não era tão alta , mas não podia alcançá-la. Há se houvesse ali uma trepadeira como na janela de Julieta, eu seria o Romeu subindo por ela.
Mas ela não veio, nem nas outra músicas. A janela teimou em não se abrir.
O violão perdeu a voz. A garganta perdeu o som. A noite ficou feia, triste sem beleza. A lua se desfigurou e um vento gelado soprou a chama da esperança.
O violão ficou triste debaixo do braço, caminhando sem vontade pela rua esburacada de uma cidade cinza, tropeçando em animais vadios que dormiam nas calçadas. A vida morrera. Lá no alto a lua zombava da dor numa alegria de estrelas.
A mesma, hoje , espia pela janela, curiosa, para ver o que estou fazendo. Ela não sabe de banzo e não entende de solidão.
Uma lagartixa corre pelo teto em busca de algum alimento.
Um envelope queima a minha mão e aguça a curiosidade. Envelope com a caligrafia que eu conhecia. A carta era dela.
O quê estaria escrito ali dentro?
Possivelmente ela gostou da serenata e está me agradecendo. Palavras delicadas, carinhosas . Ela é muito carinhosa e sensível.
Seus olhos misturam as cores de verdes quando está excitada. Olhos profundos, meigos, alegres. Verdes, ora verde musgo, ora apenas verdes..... verde, muito verde.
Aqueles olhos verdes me fitavam através da carta que estava fechada em minhas mãos. Olhos que sabiam olhar além de todos os limites.
Fazia pouco tempo que eu morava nesta cidade. Tinha vindo de uma cidadezinha pacata e humilde em busca de trabalho e de estudo. O dia era lindo aquele em que cheguei na cidade. Dia de admirações! De surpresas. Era a primeira vez que eu saia de casa, era a primeira vez que ia morar numa cidade grande. Daí a admiração e a surpresa em tudo que encontrava. Quantas novidades. A cidade com suas colinas, jardins, rios e pontes era bela aos meus olhos curiosos. Um rio largo de águas grossas, diferente do ribeirão cheio de seixos da montanha onde nasci.
Numa das colinas estava a Igreja Matriz e na frente dela uma praça ajardinada e nessa praça uma fonte luminosa. A fonte me atraía de um modo especial, não só por ser novidade para mim, mas por causa dos movimentos que a água fazia, girando em pequenos jorros, com luzes que estavam sempre mudando de colorido. Todas as noites eu ia para a Praça e ficava horas encantado com os movimentos e cores que saiam da fonte.
Quando criança os meus pais se perderam de mim e eu fiquei a contemplar o carrossel do parque, com sua música, seus movimentos. Estava tão hipnotizado que nem percebi a chegada de meus pais. Agora a fonte era o meu carrossel onde a imaginação montava as linhas de água e abria as portas para um passado saudoso.
Foi aí, nessa praça que eu a vi em vestido de organdi, conversando com amigas, rindo não sei de quê. Cabelos longos, presos atrás deixavam em destaque o rosto harmonioso. Seus olhos buliçosos se encontram com os meus e eu percebi um sorriso no olhar e nos lábios e me consumi na imaginação de um encontro.
Senti desejo de estar com ela ter sua companhia, ter sua voz nos ouvidos, sorrir o mesmo sorriso, passear os olhos por seu rosto, demorar em seu corpo, sabê-la mulher. Tomava forma em mim um sentimento misterioso, difícil de explicar, Vontade de ficar contemplando, sem exigências que não fosse a presença e o riso. Não era um desejo era uma identificação.
De repente o encanto se quebrou como vidro estilhaçado. Um rapaz se aproximou delas, cumprimentou-as e saiu com ELA. Ela que que já era minha, na imaginação. Senti-me agredido, desmoralizado. Olhei para os lados e parece que todos tinham visto a vergonha de ser passado para trás. Transformei o rapaz em um ser horrível, repelente, feioso, nariz adunco, dedos em garra, como o ogro que vi ,num livro de histórias infantis, raptando uma princesa.

Descobri a residência e o nome dela e fiz meu caminho coincidir com a sua rua. Assim eu a via, ora na janela, ora no portão, outras vezes na calçada. E toda vez me saltava o coração e se ela olhava para o meu lado era para mim que estava olhando, se sorria era para mim o sorriso. Eu a bebia com os olhos, devorava-a com os desejos. Passei a freqüentar a mesma Igreja, e ao invés de orar ficava todo o tempo de olhos fixos nela.
Meus colegas e amigos tudo percebiam e me incentivavam. Ela estava gostando de mim, não havia dúvida. Eu percebia pelo seu modo de me olhar, pela maneira de sorrir.

Precisava tirar o ogro do caminho. Era ele quem atrapalhava a situação, todos diziam. Tinha que fazer alguma coisa que a emocionasse a tal ponto que ela despertaria da influência do ogro. Em minhas insônias eu me transformava em caçador de ogros dos tempos antigos, cavalo branco ricamente ajaezado, lança e espada brilhantes de tão limpas, elmo e penachos na cabeça. Lutava, derrotava, massacrava o bicho fedido, humilhando-o a beijar os meus pés, tornar-se escravo. De repente o ogro assumia o rosto daquele rapaz e eu o humilhava num prazer requintado de maldade e desforra.

Era necessário um plano de conquista e eu já o tinha formado, decorado por tanto o repassar para procurar as falhas. Meus amigos e colegas concordaram com a eficácia do plano.
Eu possuía uma bela voz e sabia tocar violão muito bem. Na minha terra freqüentava festinhas para poder cantar e tocar o meu violão, deixando embevecidas as meninas e furiosos os rapazes. Sabia modular a voz deixando-a cálida, sensual . Sabia tirar proveito desse dom. E como sabia. ..
Daí a idéia de uma serenata. Com a ajuda de amigos fiquei sabendo do gosto musical, do cantor predileto, de tudo que ela gostava na música.
De posse de todos esses ingredientes planejei a serenata. Conscientemente, ardilosamente. Ela não iria resistir. Ela iria sucumbir, pois sempre foi assim com as outras.
Agora estava eu alí com um envelope a me queimar as mãos.
Resolvi abri-lo, lentamente, saboreando o momento, antegozando o prazer.
O mundo sorria, o quarto tinha mais luz, o coração ardia no peito. Envelope aberto surge um papel rosa, perfumado. Perfume de esperança e de ansiedade. Nem as deusas do Olimpo possuíram tal perfume.

Letra delicada, caligrafia fina. Poucas palavras:

“ Querido Luiz.

Estamos com saudades de você. Faz tempo que não temos notícias e papai e mamãe estão preocupados. Suas notas no estudo estão péssimas e isto traz intranqüilidade para todos. Está aproximando a Semana Santa e esperamos com ansiedade a sua chegada. Mamãe como sempre vai prepara o seu prato predileto...... “



Foi só , então, que reparei no remetente : Marianinha, minha irmã.

O mundo explodiu numa explosão galática e meus olhos se fecharam de dor e de raiva.

sábado, 12 de junho de 2010

Os homens são hortas e as mulheres são jardins

João trabalhava a terra com carinho e cuidado enquanto o dia avermelhava o céu em sua despedida. Ele cantava cantigas antigas que os netos desconheciam, mas achavam bonitas e pediam para que as repetisse, enquanto remexia a terra gorda de nutrientes. Ele queria fazer uma horta e já imaginava os canteiros de alfaces macias, de beterrabas vermelhas como o sangue e ricas de açúcar, boas para o coração, de cenouras gordinhas, roliças, cheias de carotenos. A terra descansaria durante a noite e na manhã seguinte ele faria o plantio e semeadura.

Sua esposa olhou a terra preparada como útero esperando pela semente da vida e comentou como ficaria lindo um jardim com rosas de várias espécies e de muitas cores, agapantos erguendo o caule fino para sustentar sua coroa de flores, hibiscos rosados e dálias e gladíolos. As borboletas iriam fazer coreografias dançando por entre as flores, escolhendo as mais vistosas e os colibris as beijariam com seu bico fino e língua alongada. A terra se encheria de vida, de sons e coloridos.

É interessante a diferença de visão entre o homem e a mulher. No homem predomina a razão, a intelectualidade e na mulher o sentimento, a emoção. Enquanto os homens são mais rápidos em raciocínio matemático e espacial, as mulheres são mais rápidas com as palavras. O que determina a diferença entre homem e mulher é a predominância de certas características. Tanto homem como mulher tem sentimentos, são intelectuais, e possuem argumentos matemáticos. Mas na mulher predomina o sentimento, a emoção. A mulher é mais alma, mais sensibilidade. O homem escolhe o útil e a mulher o belo; o útil é escolha da razão e o belo, do sentimento; a razão é fria, calculista, inodora, o sentimento perdura, é fogo, é calor.

O homem é mais prático, menos romântico, mais exclusivista, menos sensível. A mulher é mais afetiva, mais carinhosa, mais compreensiva.

Vitor Hugo o grande escritor francês disse que o homem tem os pés na terra e está colocado onde ela termina e a mulher está colocada onde começa o céu.

Eu acho que o homem é o barro amassado e espremido que o artesão utiliza, e a mulher é a imaginação que dá vida e forma para que o barro se transforme em obra de arte. Sem o barro não há escultura e sem a imaginação não se faz arte. Ambos se completam. Ambos são indispensáveis. Ambos são vida.

sábado, 1 de maio de 2010

Reflexões sobre a Encarnação

Das pessoas da Santíssima Trindade apenas o Filho tem uma presença concreta na vida da humanidade.

A humanidade adorou o Pai nos templos e nos montes, percebeu o Espírito no sopro do vento, no calor do fogo e na pomba que voa, mas foi somente ao Filho que ela teve o prazer de abraçar, a felicidade de conversar, tocar, seguir, como somente o Filho pode abraçar o homem, sentir os mesmos desejos,as mesmas dores e cheirar os mesmos cheiros, alimentar dos mesmos sabores. Somente ele tocou a pele quente e crestada de sol de uma pessoa, sentiu o hálito e acariciou sua cabeça.

As manifestações do Espírito, as pneufanias, foram poucas. Em forma de pomba , de vento ou de fogo, mas inacessível ao tato humano.

O Pai teve um número maior de manifestações, as teofanias, desde o Antigo Testamento, e essas manifestações sempre foram por meio do som quer seja trovões quer seja a voz.

Já, o Filho se manifestou na forma humana, se encarnou como homem e teve uma vida humana semelhante em tudo aos seres humanos passando pelas etapas de infância , adolescência e adulto, foi alimentado com leite humano, sentiu frio e foi agasalhado com roupas humanas tecidas por mãos humanas e muitas delas com lãs que ele próprio colheu.Serviu-se de alimentos fabricados pelo homem e embora fosse o Pão da vida, ele se alimentou do pão dos homens para ser um com eles.Pão feito com trigo que ele colheu e moeu, pela massa que ele ajudou a sovar e assar, pão que o saciou no silencio de seus retiros ou no alarido da turma que o seguia. Pão que lhe deu forças para a caminhada humana como a tantos outros homens.

Ficou com os pés grossos e calejados pelas longas caminhadas em desertos áridos ou estradas lamacentas.

Das três pessoas da Trindade somente o Filho sentiu as necessidades humanas.

O Filho teve uma vida histórica e por isso ele é o Senhor da história.

sábado, 3 de abril de 2010

MEUS SONHOS

Ivon Luiz Pinto




Devolvam os meus sonhos pelo amor de Deus!

Eu quero voltar a ser feliz !

Quero acreditar no Boitatá,

Saci Pererê, Mãe dágua.

Quero ter medo do pio da coruja,

E do fantasama das porteiras.



Quero chapinhar nas poças dágua,

Soltar papagaio,

brincar de pique,

rodar pião.



Quero voltar a ser moleque,

E sentar nos bancos da praça

sem medo da madrugada,





Devolvam minha vida pacata,

simples

, hospitaleira,

romântica

que sabia dançar o Tango, Bolero, Fox,

e percorria em serenatas as janelas das donzelas recatadas e adormecidas.

A Travessia

Ivon Luiz Pinto




Lá na praia, silencioso e fiel

O meu barco me espera para a grande travessia.



Vai recolhendo a minha Vida,

Meu passado e meu futuro,

Meu trabalho e meus desejos,

Para levá-los

como oferta

aos pés do Cordeiro

na Jerusalém Celeste.



Lá na praia

O meu barco se prepara

Para as águas tranqüilas,

Enquanto cumpro a Missão

De ser semeador e ser semente,

Ser abraço e ser carente,

ser pedido e ser perdão.



Lá na praia

O meu barco é esperança

De sempre ser chegada

Nunca ser partida,

Sempre trazer luz

Nunca escuridão.



E enquanto o barco espera

Eu trabalho na missão

Trazendo os irmãos no peito

E Deus no coração.

Sendo semente no campo

Da seara do Senhor.

Sou pedra apenas

Ivon Luiz Pinto


Sou uma pedra no caminho,

Pedra rude,

Desajeitada.



Sou apenas uma pedra

Precisando ser polida,

Lapidada,

para tomar forma e ser útil.



Sou uma pedra de construção,

Para servir de sustentação

Erguer muralhas

De amor,

De sonhos,

De felicidades.



Sou apenas uma pedra,

Com sua história de amor,

De paciência,

De resignação.



Sou uma pedra

Que pode ser amparo,

Que pode ser abrigo

Que pode ser leito.



Pegue-a,

Burile-a

Transforme-a

E verás a beleza oculta

Como explicar esse Amor?

Ivon Luiz Pinto



Houve um tempo em que o homem esteve no Paraíso, tempo sem dor nem tristezas.

Mas o homem não soube administrar a liberdade que é seu dom peculiar e um dia ele foi infiel, desobedeceu a Palavra e suas determinações e por isso se viu num tempo diferente onde a dor campeia nas curvas da estrada, o desconforto e a morte fazem ronda diária. Já não era mais Paraíso, mas apenas planeta Terra. Ele quis compreender o mistério do bem e do mal, mas , como sua visão e sua compreensão são limitadas,

ele nada conseguiu discernir . Quando o homem se rebelou contra Deus, querendo ser igual a Ele, Deus poderia simplesmente ter exterminado a raça humana. Para que conservar uma raça indisciplinada e infiel? Ele, Deus, não precisa dessa raça, com ela ou sem ela Ele existe a existirá sempre.

Deus não precisa de nada para existir. Ele existe porque existe, e pronto. Era só deletar o homem, apagar tudo....

Mas não foi assim que ocorreu. Deus resolveu confiar no homem e dar-lhe chance de se redimir.

O tempo passa e o homem não consegue se redimir, não consegue apagar a culpa e seu caminhar não o leva de volta ao Paraíso. Nem os profetas e mensageiros conseguem abrir as portas fechadas pela culpa. Adão se transformou em humanidade, o tempo se modificou em séculos, a terra se encheu de cidades. Mas o homem não se encontrou. A culpa ainda pesa e o discernimento humano não ajuda a compreender os mistérios do bem e do mal. Só um homem poderia abrir o caminho, pois que foi um homem que cometeu a falta. Então, o Filho se fez homem no meio de homens.

Não se aproveitou de sua origem divina, mas se fez totalmente homem, nascendo de uma mulher, tendo os mesmos sentimentos do homem, sorrindo as alegrias e chorando as dores, calejando as mãos no trabalho e cansando os pés na poeira das estradas. Homem. Apenas homem, com dores e desilusões, com amigos e traidores, sendo açoitado pelo poder estatal e escarnecido pela multidão. Como homem Ele amou, chorou , sentiu dores e foi executado. O homem executado abriu as portas para o homem pecador.

Para que tudo isso se Deus não necessita do homem e dele não depende?

Como explicar esse Amor?

O AMOR não é para ser explicado, mas para ser saboreado.

Que valor imenso não deve ter o homem para estar sempre na lembrança de Deus e ser tratado com tanto carinho que fez do homem o rei da criação, pouco abaixo dos anjos e amando-nos de tal maneira que nos ofereceu seu Filho.

Acho que estou ficando velho

Mas só no corpo. Na mente não, ou talvez, quem sabe. É que o corpo apresenta algumas modificações. Não são os cabelos brancos e as rugas que vejo no espelho que indicam a idade. Ele mostra os estragos feitos no corpo, mas não mostra o vigor da alma e da mente. Acho que vou trocar de espelho. Mas outras coisas acontecem e o corpo não me obedece. É um rebelde cheio de dores. Meus amigos me dizem que estou na idade do Condor: com dor na perna, com dor na ;cabeça, com dor nas costas e assim por diante

O meu cardiologista me encaminhou para um teste te esteira e lá fui eu todo apetrechado. Que vexame! Não passei do segundo estágio.Pudera.

Me colocam numa esteira que rola para tras e me mandam caminhar pra frente. Se não caminhar cai. Cai, uai.

Então ele me aconselhou fazer exercícios, fazer caminhadas para melhorar o tônus muscular e fortalecer o coração. Ah coração que me faz sofrer. Ele ama mais do que o corpo agüenta. Quando era criança tive uns probleminhas com ele e fui objeto de preocupação para meus pais e passei a chantagea-los. Quando queria algo já ia dizendo que o “ tolatão “ estava doendo. Graças a isso fui poupado de trabalhos pesados

As caminhadas estavam difíceis de fazer porque não achava horário agradável e nem tempo disponível. Quando a gente aposenta tem todo tempo do mundo para não fazer nada e não encontra-se tempo para fazer o que é preciso.

Um dia tive um rompante de lucidez e me lembrei da velha bicicleta. Eu sempre utilizei dela para minha andanças. Quando estudante saia de bicicleta da Praça Delfim Moreira para onde hoje é o INATEL e ainda dava muitas volta pela cidade. Trouxe- a de trem, despachada com cuidado, de minha cidade natal.

Resolvi reformar a verdinha. Ela foi totalmente desmontada, coloquei um cubo novinho, novas raias. Ficou brilhando de beleza. Mas faltava a campainha que eu queria que fosse original. Fui encontrar em Itajubá, lá perto do mercado. Pronto lá estava ela,bonita, reluzente me convidando para uma volta. A última vez que pedalei foi em 1975. Tive receio de não ter mais equilíbrio e resolvi praticar num lugar bem amplo. O campo de aviação. Tentei montar....que vexame.......as pernas se recusaram a erguer e passar por cima do quadro. Resolvi encostá-la no para choque do carro e trepar nela mas fiquei preocupado se eu caísse e me machucasse seria difícil arrumar socorro no campo de aviação.

Desisti da bicicleta. Ela está encostada numa parede da casa, bonita, luzidia, convidativa. Estou desapontado com meu corpo. As juntas estão ficando duras, só as juntas..... o cérebro não.

E agora que fazer? A bicicleta vai ficar em depressão pois foi reformada para suportar uma boa pedalada. Tadinha . Que faço com ela?

Meus músculos estão cansados, ficaram mais velhos do que eu, e se recusam ao exercício do ciclismo.

Ainda resta a mente lúcida e criativa.

E o coração , desentupido e cheio de amor.

É a vida. Alguém certa vez disse que a gente fica velho quando perde a capacidade de sonhar.

domingo, 14 de março de 2010

O Malungo

Nos meus tempos de criança, lá pras bandas da Mantiqueira, eu tinha um malungo chamado Manuel Candido e que ficou apenas Manézinho. Nós crescemos junto, ele cresceu até certo ponto e depois parou e hoje carcomido pela idade e pelas pingas eu acho que ele descresceu. Muitas coisas vivemos juntos, de estilingue na mão arrebentando peito de passarinhos e apostando quem matava mais, e marcava no gancho o numero de mortes.

Hoje não se faz mais isso. É proibido matar passarinho. Pena terrível para quem matar um passarinho ou ter algum em cativeiro.Se matar, a pena é inafiançável. Ninguém tira da cadeia.

Já matar pessoa, cidadão pai de família a pena é menor e algumas vezes nem cadeia dá. Os homens sabem se defender mas, se você defender sua vida e acabar, por isso, matando o agressor. não há dúvida, você vai para a cadeia.

É que estavam acabando os passarinhos e corria-se o risco de só vê-los em museus..

Gosto de ver os passarinhos na roça, amarelinhos, pretos, pardos,pintados, listados, todo tipo e espécie. Não sei o nome de todos, mas alguns chamo pelo nome: Maria branca, canarinho, pintassilgo, João de Barro, pássaro preto e as terríveis maritacas que devoram a cobertura dos fios de eletricidade e causam curto circuito nas casas. Há! Tem também os Tucanos que devoram os ninhos de qualquer passarinho com seus bicos grossos, longos e ocos.

Um dia encontrei o Manezinho, triste, macabunzio,surumbatico e lhe perguntei o que tinha havido, se era tristeza pela Ilca ou vontade de caçar. Nadim disso, adiantou a dizer. È que hoje a fessora disse que Deus é Beleza e gosta de beleza, por isso a natureza é bonita, os marmelais são suculentos e as pereiras parecem soldados enfileirados para a batalha. E eu, suspirou o tadinho, sou feio, nanico, pobre e com dente podre. Acho que Deus não vai gostar de mim. Fiquei triste com ele, sentado na grama do pasto, olhando sem olhar.Companhia na alegria e na tristeza. Eita solidariedade inocente!

De repente me deu uma idéia.

Você acha que Deus gosta de todos os animais? Ele disse que sim. Então continuei: a égua do Chico Embira é feia e tem um olho cego e Chico gosta dela porque ela é dele. Você é de Deus, num tem olho cego , só dente podre, e Deus num olha na boca da gente como faz o papai quando vai comprar cavalo. Então Deus gosta de você. Pra Deus você é bonito, mesmo sendo feio como um bicho do mato.

Ele sorriu e concordou e a alegria voltou a seus olhos e fomos comer peras nas pereiras de seu Avelino.

Passaram-se quase 70 anos e aumentou muito mais o conceito do amor de Deus. Todos sabemos que para Deus a alma é que tem importância e não o corpo mesmo sendo ele bonito, jovem, sadio e atraente. Deus não amaldiçoa, não é vingativo e nem persegue as pessoas, muito ao contrário, ELE perdoa TUDO, perdoa e esquece as nossas faltas, é muito paciente com a humanidade e não busca os seus próprios interesses. Deus tudo desculpa,basta o homem se arrepender e pedir perdão de suas faltas.

Deus é AMOR intenso e infinito e conseqüentemente, Ele ama por Amar, porque é de sua natureza.