quinta-feira, 15 de novembro de 2012

SER CAMINHO



                           
                                                 

O Mestre Arobiai olhou com olhos profundos a multidão que se estendia na relva, sob seus pés. Homens e mulheres das mais variadas idades e etnias, crianças e adultos, alguns cansados outros relaxados, todos tinham um único ponto de interesse, seus olhos buscavam uma única fonte de luz que era a figura pacífica, solene e acolhedora do mestre da todas as horas.

A tarde caia calma, com poucas nuvens e refrescada por uma brisa leve e suave que ondulava cabelos e fazia farfalhar as poucas árvores. De olhos profundos fitos na multidão o Mestre falou:





                                                     
A bondade habita em todos os corações, mas muitas vezes é necessário sacudi-la para que ela acorde e se ponha a trabalhar. Certa vez uma menina se perdeu durante a grande festa da padroeira. Ela tinha ido com os irmãos, para apreciar os objetos e utensílios expostos pelos comerciantes em suas tendas e também para se divertir nos carroceis e barcas que embalavam a noite barulhenta. Foi aí, durante o folguedo que ela se perdeu. A chuva caiu, fininha e gelada, uma cortina esbranquiçada no clarão das luzes, e ela correu para se abrigar, e se separou dos irmãos. O corpo frágil ficou encharcado de chuva e perdeu calor e ela tiritava de frio e pediu ajuda e chorou de medo e o sal de suas lágrimas se confundiram como doce da chuva, no seu rosto tenso. Alguém a viu e ofereceu ajuda e quis saber onde ela morava e lhe ensinou o caminho. Siga andando nesta direção, vá em frente sem medo, lá no final da rua vire á direita e ande três quarteirões e em seguida vire a esquerda e você encontrará uma pracinha, pegue a primeira rua à direita e estará em casa. Com passos tímidos, braços cruzados sobre o peito, tremendo e chorando , a menina se pos a caminhar, seguindo o roteiro traçado por seu bem feitor. As luzes da cidade e as luzes dos carros se embaralhavam nas lágrimas que sentiam desespero. Um senhor de meia idade a abordou para saber o que estava acontecendo. Ciente do problema ele tirou seu paletó e colocou no ombro da criança, tomou-lhe as mãos e disse que a levaria até sua casa. A noite acompanhou os dois vultos na rua molhada e os viu chegar na casa da menina.





A multidão ouvia com o silencio daqueles que prestam atenção e se interessam pela história. Então o Mestre conclui. Ambas pessoas usaram de carinho e amor para com a menina, tanto aquela que lhe ensinou o caminho como a outra que a levou para casa. Aquela que lhe mostrou o caminho usou de amor, não há dúvida nenhuma, foi boa e caridosa, no entanto aquela que a levou para casa teve um amor maior, se despojou e foi seu guia. Assim é a vida. Uns nos mostram o caminho e estes são bons, outros caminham juntos e estes são muito bons. Uma coisa é indicar o caminho e outra é SER O CAMINHO.



domingo, 28 de outubro de 2012

A cachaça, o trabalho e o homem







A Cachaça a Deus do Céu

Tem o poder de empatar

Porque se Deus da o juízo

A Cachaça pode tirar



O churrasco rolava gostoso, a saudade bate em retirada quando a cantoria fica mais animada, quando a garganta é molhada com uma pinguinha de boa safra. É coisa de brasileiro o churrasco comemoração e a pinga, pura ou na caipirinha, ou até em outras associações. Já vi sorvete de pinga.

Mas não foi sempre assim. Houve uma época, e isso faz muito tempo, que em Portugal a pinga se chamava cachaça e era sub produto dos bagaços de uvas esmagadas pelos pés, como a graspa que hoje encontramos nas adegas produtoras de vinho, e não era bebida por gente fina. Sá de Miranda, poeta português que faleceu em 1558 registra a cachaça no seu canto às quintas fidalgas lusitanas e Luis da Câmara Cascudo escreve um prelúdio sobre a “água que passarinho não bebe”. Quando se está numa reunião de amigos ou em alguma comemoração a primeira dose é chamada de abrideira, pois ela abre a conversa, é o início da festa, é diferente da saideira, que é a dose de despedida, a que dá o adeus. Uma á a chegada e a outra a saída e entre elas um universo de acontecimentos marca a data. Saint Hilaire, em 1819, afirma que o brasileiro é amante da cachaça, mas não é cachaceiro. No jantar tomar uma dose doméstica da branquinha, pura e envelhecida, de cheiro doce e sabor macio é um ritual que herdamos de nossos antepassados. Só o Brasil sabe apreciar essa especialidade com a certeza de quem conhece o assunto. Os estudiosos dizem que ela teve muitos nomes, adequando-se à sociedade local, igual a gente troca de roupa conforme o clima ou de acordo com a época do ano. Dizem que durante a fabricação do açúcar na época colonial, saia do melaço um vapor que se condensava nos caibros e pingava no chão.Os escravos bebiam desse liquido e se sentiam alegres e animados. Por isso a cachaça também é chamada de pinga.

Mas há uma espécie defeituosa, “ aquela que matou o guarda’, mal destilada, feita sem capricho em alambiques deteriorados, cheia de aditivos perigosos, vendidas nos butecos sujos e nas vendas de beira de estrada. Essa bebida queima como vulcão e explode no estomago provocando azia e arrebenta na cabeça deixando tonto. È dela que Inezita Barroso canta: “ a marvada pinga é que me atrapaia, aqui mesmo eu bebo, aqui mesmo eu caio....” Há quem a tome encostado no balcão e jogando um pouco no chão dizendo que é para o “ santo”, há quem a tome tapando o nariz porque não gosta do cheiro, e há aqueles, ainda, que a tomam por estarem tristes, ou alegres, ou com frio...


                                                       

Não sei porque uma bebida tão cheia de história, tão brasileira, é tomada de qualquer jeito, em butecos sujos e mal afamados, por pessoas que a bebem até cair. Ela devia ser tomada em cálice de cristal, em pequena dose, após um ritual de conversa, com a cerimônia das grandes bebidas. Nunca tomá-la sozinho ou encharcar-se dela. Beber com moderação é a grande arte de quem tem bom gosto.É beber para apreciar e não para se consumir num mar de “fogo”.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Presente do Índio






Os europeus encontraram a América povoada por um povo de pele bronzeada e olhos puxadinhos. Pero Vaz de Caminha, o primeiro a descrever os índios do Brasil disse que eles eram “ belos, bem feitos, de boas feições e pardos a maneira de avermelhados. Não existia, ainda, o vocábulo bronzeado, a cor trigueira dos freqüentadores do sol. Muitos foram os cronistas e viajantes que descreveram os costumes e o tipo de nossos primitivos habitantes, muito deles impressionados pela liberdade selvagem desses costumes que apresentavam a nudez como coisa natural e espontânea. Caminha narra a surpresa que causou nos navegantes a presença de mulheres ‘ novinhas e gentis, com os cabelos mui pretos e compridos pelas espáduas e suas vergonhas tão altas e cerradinhas, e tão limpas de cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não se envergonhavam”. O que para o europeu era tido como vergonha, para o habitante puro e inocente era apenas um comportamento natural e não libidinoso, e o próprio Caminha conclui que eram “ puros e inocentes”.

A liberdade aberta pela lonjura de sua terra e a índia sensual de corpo nu e atraente encorajaram as uniões. E os abusos sexuais. Por essa razão cinco tripulantes desertaram percebendo que a terra era um convite à vida solta em que tudo era permitido.

Paulo Prado no livro Retrato do Brasil, comenta que “ o indígena era um animal lascivo, vivendo sem nenhum, constrangimento na satisfação de seus desejos carnais.”

Américo Vespucio disse que eles “ tomam tantas mulheres quantas querem, e o filho se junta com a mãe, e o irmão com a irmã, e o primo com a prima, e o caminhante com a que encontra..”e faziam isso tão naturalmente que não se pode dizer que era pecado. Aqueles que ocupavam posição de destaque na aldeia, o Cacique, o Pajé, e o melhor guerreiro, costumavam ter quantas mulheres achassem necessárias e freqüentemente as virgens eram propriedades do Pajé. Foi num ambiente assim que chegaram, em 1565, os Padres José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, em Iperoig, atual Ubatuba, para negociar a paz com o cacique Cunhambebe chefe dos Tamoios. O nome Ubatuba significa "canoa grande" por causa da canoa em que eles viajaram  para o Rio de Janeiro.   Os franceses, com o apoio desses tamoios, tinham invadido a região do Rio de Janeiro e era necessário que os índios retirassem seu apoio. A paz foi estabelecida, o apoio aos franceses foi retirado, não sem antes o Pe. Anchieta sofrer um cárcere cruel numa cabana na praia, enquanto Cunhambebe e Manoel da Nobrega navegavam para o Rio a fim de negociar os termos da Paz com Estácio de Sá. Foi aí nessa praia de Iperoig  que o padre escreveu, em latim, o Poema a Virgem.
Para se redimir do cárcere e dos maus tratos, o cacique Cunhambebe ofereceu ao Pe. Anchieta a mais nova e mais bela mulher da aldeia, e ficou zangado pela recusa da oferta, e não acreditou nos votos de castidade dos Pajés dos brancos, pois o da tribo podia ter quantas ele quisesse.




terça-feira, 4 de setembro de 2012

QUANDO TENTARAM ROUBAR A SANTA




                                                Foto do arquivo da Fundação ROGE



As duas cidades estão ligadas históricamente. Uma nasceu da outra e portanto são: mãe , Delfim Moreira e, filha, Itajubá. A filha cresceu, prosperou e ficou rica, mas, a mãe está acanhada lá no alto da serra. Houve época em que elas se estranharam, tudo por causa da Santa. Foi assim..

Em 1703 Miguel Garcia Velho descobriu ouro nas proximidades da cachoeira de Itagiba dando origem ao povoado de Descoberto de Itagiba que depois, quando é entronizada a imagem de Nossa Senhora da Soledade como sua padroeira, ela se torna Soledade de Itajubá. Em 1752 lhe é concedida a prerrogativa do altar portátil e é celebrada a primeira missa, sendo seu cura o Pe. Antonio da Silveira Cardoso e Silva e em 1762 é elevada a Freguesia sendo seu cura o Pe. Floriano da Silva Toledo.

Quando em 1818 chega o Pe. Lourenço da Costa Moreira a situação se modifica e surge crise entre os fieis. Não gostando da Paróquia e atribuindo-lhe muitos defeitos o novo sacerdote instiga o povo a abandonar o local e descer para o Sapucaí. Guido Gilberto do Nascimento relata que cerca de oitenta homens aquiesceram à convocação do senhor vigário e na manhã de 18 de março de 1819, após Missa, com orações e súplicas ao céu pelo bom êxito da jornada, eles partiram para as bandas do Sapucaí. O Padre vigário, que era coxo foi a cavalo e no dia seguinte, 19 de março, celebraram a chegada ao novo lar.Era o início de uma povoação que mais tarde se transformaria na atual cidade de Itajubá. Pe. Lourenço deixou a freguesia ou Capela Velha de Soledade de Itajubá, sem assistência e ainda lhe fazia inúmeras críticas dizendo que ela não tinha mais recursos deplorando sua topografia, clima e isolamento. O Padre gozava de prestígio nos meios políticos e graças a essa influência conseguiu pelo Decreto de 8 de novembro de 1831 suprimir a freguesia de Soledade de Itajubá rebaixando-a a simples curato. O Decreto foi assinado pelo Padre Diogo Antonio Feijó, Ministro e Secretário d´Estado do Interior e Justiça da regência Trina. Em princípio de agosto desse ano Padre Lourenço, acompanhado de muitos fieis da Boa Vista do Sapucaí, rumou serra acima para a velha localidade com a finalidade de buscar o livro do Tombo, as alfaias,a Fazenda e os santos pertencentes à Paróquia. Na época chamava-se de Fazenda a parte administrativa eclesiástica responsável pela parte econômica financeira da igreja. Tal qual temos, em semelhança, o Ministério da fazenda. Ela era, também, o cofre e o caixa da Paróquia.

Os delfinenses souberam da expedição e se prepararam para receber “o Aleijado”,como o apelidaram, e sua turma. Nas proximidades da Velha Capela o Pe.Lourenço, todo paramentado, organizou uma procissão com os homens vestindo opas e tochas e as mulheres de véus e velas acesas. Rezando e cantando loas eles caminharam pela velha estrada. Quando a procissão chegou ao pontilhão do rio Taboão, no início da povoação, foram surpreendidos por homens armados de foices, facões, espingardas e dispostos a não permitir a entrada.Ninguém, mas ninguém mesmo, iria levar a santinha, custasse o que custasse. De um lado da ponte estavam os defensores da Santa e no lado oposto estavam os invasores com o padre e comitiva. De repente, no auge da discussão um tiro espocou, para o alto. Alguém, depois, asseverou que não foi tiro, foi um foguete. Foi o suficiente para debandar a procissão e por o pessoal a correr, desorientado, para suas montarias e voltar para o Sapucaí. Em pânico eles nem se lembraram das alfaias, Livro de Tombo, santos, castiçais, Fazenda e sinos. Humilhado o Padre Lourenço jurou que iria fazer a completa extinção da Velha Freguesia. Coisa que nunca ocorreu.

Em 30 de novembro de 1842, a Lei Provincial nº 239,pelo seu Art. 2, devolveu a condição de Freguesia para Soledade de Itajubá.







segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A SERRA DA MANTIQUEIRA





A Serra da Mantiqueira tem o nome de origem tupi-guarani Amanti-Kir e significa “Serra que chora” devido à grande quantidade de nascentes e riachos encontrados em suas encostas. Ela integra o ecossistema da Mata Atlântica que possui uma das maiores biodiversidades do planeta. Numa extensão de quase 500 km. ela se espalha pelas divisas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Possui uma linha de cumes mais elevada que se inicia próximo a Bragança Paulista seguindo na direção norte-nordeste, delineando as divisas dos três Estados até a região de Parque Nacional do Itatiaia e daí continuando dentro do Estado de Minas até Barbacena.

No início da ocupação do Brasil ela foi um grande obstáculo a ser vencido para as expedições que iam para o interior em busca do ouro e das pedras preciosas. Vários desbravadores paulistas, entre eles Fernão Dias Paes Leme, abriram caminho a partir do Planalto Paulista, seguia pelo Rio Paraíba passando por onde estão hoje as cidades de Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena até a Cidade de Cachoeira Paulista. Daí atravessavam a Serra pela Garganta do Embaú e Passa Quatro e adentravam pelo Sertão da Mantiqueira.

Com a descoberta do ouro a Coroa Portuguesa, no intuito de controlar o trânsito do metal e facilitar a cobrança dos impostos, define o único caminho permitido para o acesso às minas e para o transporte do metal, e que ficou conhecido como Caminho Geral do Sertão. Este se iniciava em Paraty, atravessava a Serra do Mar e atingia Guaratinguetá. Daí seguia pelo caminho dos Paulistas atravessando a Mantiqueira e passando por onde estão hoje Passa-Quatro, Itanhandu, Santana do Capivari, Consolação, Pouso Alto, Boa Vista, Baependi, Conceição do Rio Verde, Cruzília e Ingaí. Aí atravessava o Rio Grande chegando a Ibituruna e subia o Rio das Velhas até o Arraial do Rio das Mortes, hoje São João Del Rey. Seguia então até a Vila Rica, hoje Ouro Preto.

A mantiqueira é a região de alguns dos picos mais altos do país:

Pedra da Mina – 2,897 m, entre Passa Quatro e Queluz.

Agulhas Negras – 2.787 m, no Parque Nacional do Itatiaia.

Pico Três Estados – 2.665 m, entre Passa Quatro e Queluz

Pico dos Marins – 2.420 m, entre Marmelópolis e Cruzeiro.

Também lá estão algumas das cidades brasileiras com maior altitude:

Campos do Jordão - SP – 1.620 m

Monte Verde (distrito de Camanducaia) – MG – 1.550 m

Senador Amaral - MG – 1.500 m

Bom Repouso – MG – 1.370 m

Maria da Fé – MG – 1.280 m

Munhoz – MG - 1.260 m

Gonçalves – MG - 1.250 m

Delfim Moreira – MG - 1.200 m

Bueno Brandão – MG - 1.200 m

Devido à altitude, o inverno na Serra da Mantiqueira apresenta baixas temperaturas, com a ocorrência de nevoeiros no início da manhã e às vezes, geadas, dando à paisagem o visual das regiões de clima frio. É comum o termômetro atingir marcas próximas a 0ºC, sendo que nas cidades mais altas como Campos do Jordão e Monte Verde já se verificou temperatura de - 5ºC .




A LENDA DA SERRA DA MANTIQUEIRA

Rita Elisa, no livro A Menina dos Vagalumes conta a lenda da serra da Mantiqueira que ela recolheu da peça Fantástica lenda de Algures:

Conta a lenda que vivia uma princesa encantada da Bravo Tribo Guerreira do Povo Tupi. Seu nome o tempo esqueceu, de seu rosto a lembrança perdeu; só se sabe que era linda.

Era tão linda que todos a queriam, mas ela não queria ninguém. Vira homens se matarem por vê-la. Tacapes velozes triturando ossos, setas certeiras cortando carnes. Como poderiam amá-la se não amavam a sí próprios?

A Bela Princesa se apaixonou pelo Sol, o guerreiro de cocar de fogo e ouro, que vivia lá em cima, no céu, caçando para Tupã. Mas o Sol, ao contrário de tantos príncipes, não queria saber dela. Não via sua beleza, não escutava suas palavras nem detinha para tê-la.

Mal passava, cálido, por sua pele morena, sua tez cheirando a flor, mal acariciava seus pelos negros, suas pernas esguias, e, fugaz, seguia impávido a senda das horas e das sombras. Mas ela era tão bonita que senti-la nua, seus pequenos túrgidos seios, seus lábios de mel e seiva, sua virginal lascívia, acabaram também encantando o Sol. E o Guerreiro de Cocar de Fogo fazia horas de meio-dia sobre o Itaguaré…

A Lua, mal surgia sobre a serra, já sumia acolá. Logo, não havia noite. O sol não se punha mais e não havia sono, e não havia sonho, e tão perto vinha o Sol beijar a amada que os pastos se incendiavam, a capoeira secava e ferviam os lamaçais…

De tênues penugens de prata, plumas alvas de cegonhaçu, a Lua viu que estava ameaçada por uma simples mulher. O Sol, que na Oca do Infinito já lhe dera tantas madrugadas de prazer, tantas auroras de puro gosto, se apaixonara por uma mulher…

E tanto, de tanto que Tupã quis saber o que era, que a Lua, cheia de ódio, crescente de ciúme, minguando de dor, se fez um novo ser de noite-sem-lua e foi contar tudo para Tupã. Como uma simples mulher ousou amar o Sol ? Como o Sol ousou deter o tempo para amar alguém ?

Que ele nunca mais a visse ! Mas o Sol tudo vê ! … Tupã ergueu a maior montanha que existia e lá dentro encerrou a Princesinha Encantada da Brava Tribo Guerreira do Povo Tupi. O Sol, de dor, sangrou poentes e quis se afogar no mar. A Lua, com a dor do seu amado, chorou miríades de estrelas e prantos de luz. Mas nenhum choro foi tão chorado como a da Princesinha, tão bela, que nunca mais pôde ver o dia, que nunca mais sentiria o Sol… Ela chorou rios de lágrimas, rio Verde, Rio Passa Quatro, Rio Quilombo, Rios de águas límpidas, minas, fontes, grotas, ribeiras, enchentes, corredeiras, bicas, mananciais. Seu povo esqueceu seu nome, mas chamou Amantikir, a “Serra-que-chora”, Mantiqueira, a montanha que a cobriu.



sábado, 2 de junho de 2012

O contador de histórias




A conversa se desenvolvia calma, com alguns risinhos, relembrando a terra em que eles nasceram. Moravam muito distante um do outro. Um aqui, outro lá no fim do mundo. Não era um tirinho de espingarda como dizem os mineiros, era algo como longe pra burro. A conversa era pela internet entre tio e sobrinha, mais do que sobrinha, era também afilhada, portanto sobrinha-afilhada. Eles digitavam e expressavam a alegria com kkkkk ou rsrsr. Ela durante alguns anos, quando era criança, morou na casa da vó para lhe fazer companhia, embora residisse na mesma cidade e por isso compartilhavam as mesmas lembranças. A conversa era corriqueira, as vezes até sem sal nem gordura, e esbarrou no comentário do frio que estava chegando com alguma intensidade. Lá no alto da Mantiqueira, onde eles viveram, o frio era violento, daqueles de deixar tudo congelado, as roupas no varal ficavam durinhas, a água da bacia se transformava numa crosta de gelo que as crianças usavam para brincar e não saia a água na torneira do quintal. É um frio dos infernos dizia o Chico Ripa, embora, todos sabem que o inferno é quente... Ela recorda que nas noites muito frias, naquele tempo do onça, costumava-se colocar garrafas com água quente para esquentar a cama. E a única vantagem que tinha nesse tempo é que poderia usar o calçado, um Conga de lona azul e sola de ráfia enrolada. Era a sensação. Era um tempo difícil, disse ela, época de dificuldades, de pouca coisa, mas nós nos sentiamos felizes e o que faltava não atrapalhava de ser feliz.

Á noite o Zé da Venda, pai da menina, reunia a família em torno da lareira, lá na Fazenda da Peixe, onde era o administrador, as crianças assentadas no chão e ele a contar histórias de assombração. Isso mesmo, de assombração! Todo mundo conta histórias de fadas para a criança dormir. Ele era diferente, contava coisas de assombração, e olha que lá naquela terra existiam muitas histórias nesse tipo. Maria Rita contou que a história de que mais lhe dava medo, não era a da mula sem cabeça, e nem do Saci Pererê, era a da porca com sete leitõezinhos, que saia do buraco do barranco, toda noite, por volta da meia noite.Perguntei porque tinha medo de uma coisa tão boba e ela não soube explicar, só sabia que quando a história era essa, ela corria para a cama, deitava e cobria a cabeça. Passava a noite toda de cabeça coberta.

Como explicar o coração da criança?..........







segunda-feira, 5 de março de 2012

VESTIDA PARA DANÇAR



Lá estava ela,do outro lado do salão, conversando com as amigas. Vestida para dançar, cabelos castanhos enrolados num adorno, olhos esverdeados. E ela sorriu. Não foi apenas um sorriso, foram cintilações de sol iluminando o salão, mais forte do que todas as luzes.Era também um sorriso que embriagava pois eu fiquei tonto, tive vertigens, deu zonzeira..... Eu queria dançar com ela, senti-la nos braços, afagar seu cabelo, apertar sua cintura e falar e falar ao seu ouvido. Não queria conversar. Isso não. Queria falar e dizer que a amava, queria dizer que estava apaixonado e que era feliz só por vê-la. Queria muitas coisas, mas tinha medo. Faltava coragem para atravessar os poucos passos do salão, ir lá onde ela estava e convidá-la para dançar. Não tinha coragem e então resolvi buscar auxilio e fui tomar uma bebida para afugentar o medo e desci para o bar. A bebida não me ajudou, ao contrário, ela queimou no estomago, colocou um hálito de carniça em minha boca e me deixou triste. Como poderia chegar perto dela, falar com ela com a boca cheirando podridão? O baile acabou, as luzes apagaram e eu desci a rua da ponte como um cachorro vadio, com o rabo entre as pernas.


Outro baile chegou com novas esperanças e a promessa de ser valente e lá estava eu de terno de linho branco, linho irlandês, gravata borboleta preta,de cetim, lenço no bolsinho e muita coragem... e a vi, mais bela do que antes, mais desejada ainda. Eu ainda tinha dúvida se ia ou não convidá-la para a dança, quando, assim de repente, ela olhou para mim. Não foi um olhar casual porque demorou no olhar. Era um olhar que dizia pode vir, estou a sua espera, eu quero... e eu fui, atravessei o salão,sentindo-se cavaleiro medieval montado em cavalo branco,armas reluzentes, para conquistar a princesa aprisionada. Cheguei até ela e gaguejei um cumprimento, e a voz enroscada na garganta nem chegou a convidá-la, mas ela sorriu e me acompanhou, como uma rainha que atende ao súdito. Minha mão esquerda envolveu sua cintura e a direita segurou sua mão. Ela descansou a mão no meu ombro e nossos corpos se juntaram como duas mãos num momento de oração. Eu a sentia, como sentia a vida, o ar a felicidade, o corpo macio, delicado, deslizando junto ao meu, no compasso de dois pra lá, dois pra cá, imposto pelo bolero. A felicidade era tanta que dava vontade de gritar para todos ouvirem. Parecia que só estávamos nós dois, mais ninguém. O mundo era nosso, a vida era nossa, o momento era nosso, como num conto de fadas, num salão todo cheio de luzes. Os violinos sugeriam voar, rodopiar entre as nuvens, dois anjos decaídos ou dois santos pecadores, de corpos colados, na cumplicidade da música. Na emoção dos olhos nos olhos ela falou, não foi uma voz humana, articulada por cordas vocais, foi o som etéreo de um serafim apaixonado criando ondas de paixão, como a pedra que cai no lago adormecido. Sua voz penetrou minhas células, peregrinou por meu sangue e fluiu quente no coração e eu fechei os olhos e me deixei levar...........e naquele momento tive certeza de que encontrara a mulher certa, a mulher que iria ser a mãe de nossos filhos... eu sei que vivi a felicidade...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O menino e a Rainha da Cachoeira





Eu morava em Delfim Moreira, na cidade, e minha irmã e madrinha na Fazenda Alegria das fábricas Peixe, onde meu cunhado-padrinho era o administrador. Aos domingos, pela manhã, subia o morro do Taboão rumo à casa de meus padrinhos, onde brincava com meus sobrinhos que eram poucos mais jovens do que eu. Muitas vezes ia de bicicleta Phillips, toda equipada, farol, farolete, retrovisores ornados com fitas coloridas. Quase toda a subida era feita a pé,empurrando a magrela, mas na volta, era uma delícia, não se fazia força, era deixar rodar, morro abaixo,fazendo curvas em velocidade. Certa vez ao fazer uma curva dei de encontro com homens que voltavam da cidade, alguns embriagados, andando no meio da estrada. Não deu outra, atropelei o mais alto e creio que mais bêbado, enfiando a bicicleta no vão das pernas do homem e jogando-o ao chão. Cai por cima dele e rolamos na poeira vermelha. O homem não teve tempo de fazer nada, pois enquanto ele se levantava, capengando por causa da bebida,(ou do atropelamento, sei lá!), eu já ia longe montado numa bicicleta avariada. Nem ouvi direito seus xingos, tanta era a pressa e o medo. Dessa estrada se avista uma cachoeira enorme, alta, volumosa, que é a atração dos jovens e visitantes. Lá do alto ela deixava cair, escorregando pelas pedras uma espuma branca e leitosa como o leite tirado da vaquinha Mimosa, que se espatifava nas pedras de sua base e formava uma lagoa borbulhante. Os adultos advertiam sobre o perigo dessa lagoa, que era profunda, formando um pilão que moía tudo que nele caia. Não se podia nadar nas redondezas desse pilão e nem tentar escalar a cachoeira. Eu respeitava a advertência e acima de tudo tinha medo, muito medo, pois Zé Candido, o dono daquela venda na curva da estrada, me contava histórias escabrosas. Quase toda noite, Zé Candido saia de sua vendinha e ia para a cidade para contar histórias, sentado no banco da Pharmacia N.S. da Soledade, de propriedade do papai. Seu repertorio era vasto e prendia meu interesse a ponto de esquecer a fome, o cansaço e as horas. Era uma delícia ouvi-lo em seu linguajar caboclo, narrar histórias de aventuras e assombrações e tirar de tudo uma lição de moral. Ele contou que existia, no fundo do pilão da cachoeira uma mina de ouro que era guardado por sua deusa e dona, e nas noites de lua cheia, à meia noite, em ponto, antes de terminar de bater as doze pancadas, as águas se congelavam, ficavam parada, não caiam das pedras, e nenhum som era ouvido, nem o barulho das águas e nem o dos bichos do mato. Nessa hora a deusa aparecia e pintava de dourado o lugar que tinha ouro. Mas ninguém podia olhar senão ficava enfeitiçado e ela levava para o seu reino como escravo. Muitas daquelas pedras que circundavam a lagoa eram pessoas que foram enfeitiçadas. Para não se deixar enfeitiçar só olhando por meio de um espelho, olhar indireto, sem olhar diretamente a deusa. Foi assim que alguns bandeirantes encontraram ouro, como aconteceu com Miguel Garcia. Certa vez eu fiquei até mais tarde num dos bailes que o seu Juca Rocha dava em sua casa lá na Peixe, tentando ver e falar com sua filha que eu queria namorar.O certo é que desci, devagar, emburrado por não ter falado com a menina e nem notei que as horas estavam avançadas. Nem era meia noite ainda, por muito e muito eram dez e meia, mas minha imaginação me fez ver o perigo da meia noite, ao ver a brancura da cachoeira. A lua branca brincava de espelho, redondo, num céu frio cheio de estrelas e iluminava os moldes dos pés e pneus na poeira fina da estrada. Eu não tinha relógio, mas tinha medo, eu estava com frio e tinha medo. Qualquer coisa que eu tivesse, o medo era muito maior. Esse medo me fez ver a deusa do ouro, pairando em cima das águas e soltando faíscas das mãos. Não queria olhar, mas desejava ver o que ia acontecer, não por causa do ouro, mas para saber como era essa tal deusa. O coração pulava mais do que cabrito,mais do que quando eu via a Ivete, e arrisquei uma olhada. Umazinha, rápida, não faria mal. A tal deusa nem iria perceber. E então arrisquei, olhei, de soslaio, olhar de medo e de curiosidade, olhei..... e perdi a direção da bicicleta. Fui de encontro ao barranco. Cai estatelado e uma turma de pássaros noturnos, sentindo-se ameaçados, bateu em retirada, fazendo alvoroço. Do chão vi a lua zombeteira, rir de minha idiotice. Cheguei em casa, sujo, amarrotado, empurrando a bicicleta e jurando que tinha sido derrubado pela deusa do ouro....