Era assim que ele era conhecido na pequena cidade de Delfim Moreira. Pouca gente sabia que seu nome era José Ribeiro de Castro. Acho que muitas vezes até ele mesmo não se lembrava. Na cidade quase todos tinham apelido, era Dito Bizorro, Joaquim do Zeca, Kim Queijeiro, Zé Pato, Nem as mulheres escapavam do costume, Sinhana, Nhãnhã, Zica, Maú.
Zé da Venda era alto, esbelto, e casado com minha irmã a Zica, que eu chamava de mãe. Eles foram meus padrinhos e talvez por isso criamos uma grande e agradável afinidade. Essa afinidade foi tão intensa que fui convidado para ser padrinho de sua filha Maria Rita, e quando ele queria falar sério comigo ia dizendo ” olha aqui, seo cumpadre.....”
Era proprietário de um negócio de secos e molhados bem no fundo da praça da cidade que era ponto de encontro para bater papo, só perdendo em potencia para os largos bancos da Pharmácia Nossa Senhora da Soledade, no outro extremo da praça. Tanto na venda como na Pharmácia falava-se de tudo, reformava-se o mundo e construía-se nova vida. Tudo no “papo”.
Como padrinho ele me amparava, aconselhava, corrigia e criticava. E sempre tinha um presentinho, mesmo que fossem balas.
Com ele fui fazer parte da Congregação M\ariana e ficava embevecido ao ouvi-lo cantar, com a larga fita azul no pescoço,” De pé. De pé, deu a voz de comando Pîo XI”. Eu acreditava que assim cantava para saberem que ele estava de pé.
Certo dia chegou na casa de papai, olhou bem para o meu rosto que estava começando a criar alguns pelinhos e dizendo que eu estava cheio de penugem me deu um aparelho de fazer barba, daqueles escanhotaveis, onde se colocava uma gilete. Tudo num belo estojo. Mesmo com a chegada de aparelhos elétricos e desses de três lâminas, eu guardava com imenso carinho esse primeiro aparelho de barbear. O tempo, a chuva e a enchente levaram embora essa relíquia.
Cansado da vida de vendeiro resolveu ir para a roça tomar conta de fazendas. Primeiro foi no Campo dos Chiqueiros, bairro às margens da rodovia que vai para Lorena, depois no Rosário, do outro lado da cidade. Minhas férias eram passadas quase todas nesses lugares. No Rosário, além de tudo. Aí eu aprendi a cavalgar como também aacompanhá-lo em caçadas na mata do alto do morro.Aprendi até a distinguir pegadas de onça. Certa vez, achando que já sabia tudo, entrei sozinho na mata e me perdi. As horas passavam e eu fui ficando nervoso, vendo rastros de onça pra todo lado e não encontrando a saída. Quando finalmente a encontrei, estava cansado e arranhado pelos espinhos da cerca que delimita o mato do pasto e o encontrei a minha procura. Não dei o braço a torcer e disse que estava tudo sob controle e que sabia o que estava fazendo. Ele não acreditou, lógico, e me passou um baita sermão.
Durou pouco essa vida roceira pois seu sangue de vendedor falou mais alto.
Meus filhos o conheceram em Itajubá, numa venda montada no bairro do Morro Chique, na rua que vai para o Hospital Escola. Mudou-se para a cidade grande para ter boas escolas para os filhos Homem valente, destemido, sofria de uma infecção crônica na perna direita e quando a dor ficava insuportável ele tomava de um canivete e abria a perna para escoar o pus da infecção. Com o tempo apareceu um câncer generalizado e ele se despediu deste mundo.
Bença, padrinho!