domingo, 3 de abril de 2011

Zé da Venda




Era assim que ele era conhecido na pequena cidade de Delfim Moreira. Pouca gente sabia que seu nome era José Ribeiro de Castro. Acho que muitas vezes até ele mesmo não se lembrava. Na cidade quase todos tinham apelido, era Dito Bizorro, Joaquim do Zeca, Kim Queijeiro, Zé Pato, Nem as mulheres escapavam do costume, Sinhana, Nhãnhã, Zica, Maú.

Zé da Venda era alto, esbelto, e casado com minha irmã a Zica, que eu chamava de mãe. Eles foram meus padrinhos e talvez por isso criamos uma grande e agradável afinidade. Essa afinidade foi tão intensa que fui convidado para ser padrinho de sua filha Maria Rita, e quando ele queria falar sério comigo ia dizendo ” olha aqui, seo cumpadre.....”

Era proprietário de um negócio de secos e molhados bem no fundo da praça da cidade que era ponto de encontro para bater papo, só perdendo em potencia para os largos bancos da Pharmácia Nossa Senhora da Soledade, no outro extremo da praça. Tanto na venda como na Pharmácia falava-se de tudo, reformava-se o mundo e construía-se nova vida. Tudo no “papo”.

Como padrinho ele me amparava, aconselhava, corrigia e criticava. E sempre tinha um presentinho, mesmo que fossem balas.

Com ele fui fazer parte da Congregação M\ariana e ficava embevecido ao ouvi-lo cantar, com a larga fita azul no pescoço,” De pé. De pé, deu a voz de comando Pîo XI”. Eu acreditava que assim cantava para saberem que ele estava de pé.

Certo dia chegou na casa de papai, olhou bem para o meu rosto que estava começando a criar alguns pelinhos e dizendo que eu estava cheio de penugem me deu um aparelho de fazer barba, daqueles escanhotaveis, onde se colocava uma gilete. Tudo num belo estojo. Mesmo com a chegada de aparelhos elétricos e desses de três lâminas, eu guardava com imenso carinho esse primeiro aparelho de barbear. O tempo, a chuva e a enchente levaram embora essa relíquia.

Cansado da vida de vendeiro resolveu ir para a roça tomar conta de fazendas. Primeiro foi no Campo dos Chiqueiros, bairro às margens da rodovia que vai para Lorena, depois no Rosário, do outro lado da cidade. Minhas férias eram passadas quase todas nesses lugares. No Rosário, além de tudo. Aí eu aprendi a cavalgar como também aacompanhá-lo em caçadas na mata do alto do morro.Aprendi até a distinguir pegadas de onça. Certa vez, achando que já sabia tudo, entrei sozinho na mata e me perdi. As horas passavam e eu fui ficando nervoso, vendo rastros de onça pra todo lado e não encontrando a saída. Quando finalmente a encontrei, estava cansado e arranhado pelos espinhos da cerca que delimita o mato do pasto e o encontrei a minha procura. Não dei o braço a torcer e disse que estava tudo sob controle e que sabia o que estava fazendo. Ele não acreditou, lógico, e me passou um baita sermão.

Durou pouco essa vida roceira pois seu sangue de vendedor falou mais alto.

Meus filhos o conheceram em Itajubá, numa venda montada no bairro do Morro Chique, na rua que vai para o Hospital Escola. Mudou-se para a cidade grande para ter boas escolas para os filhos Homem valente, destemido, sofria de uma infecção crônica na perna direita e quando a dor ficava insuportável ele tomava de um canivete e abria a perna para escoar o pus da infecção. Com o tempo apareceu um câncer generalizado e ele se despediu deste mundo.

Bença, padrinho!



11 comentários:

Rita Elisa Seda disse...

Papai, que bela lembrança do tio Zé da Venda. Eu achei ontem as lembrançinhas que o Antônio me passou para lhe entregar e a toda família. Já está na minha mala, levo essa semana para vocês. O tio sabia cativar a gente, eram balas e pirulitos... sempre. Um santo homem!

. disse...

Verdade Rita Elisa, ele era formidável.
Estou curioso sobre essas tais lembrancinhas.
Tua mãe está corrigindo o meu livro. rsrsr

Frederico disse...

Obrigado tio por lembrar do meu protetor, do meu companheiro de trabalho, de meu parceiro de caminhadas, do meu mestre que me ensinou a ser homem, daquele que me ensinou a não ter medo e seguir sempre em frente, daquele que me ensinou a amar e, sobretudo, confiar em Deus.
Poderia ficar horas citando o que o Sr. Ze da Venda represenou e representa em minha vida.
Mais uma vêz, muito obrigado pela lembrança do meu maior amigo..... do meu PAI.

Ivon disse...

Pois é ICO, o meu padrinho foi uma excelente pessoa. Tenho muitas e agrdáveis recordações.
Lembra lá no Campo do Ciqueiro qundo fui montar na sua garupa e cai em cima de um cupim?
Eita tempo bom

Maria Rita Sobrinha disse...

È Tio e... Padrinho.

Essa foi muito boa.
Que Saudade.
E que saudade gostosa.
Ele era tudo isso, e como o Ico também disse.
Na sua maneira, quieto, tranqüilo.
Nos ensinava muita coisa.
Seu corpo esquio, imponente.
Exigente, bravo e amoroso.
Tinha pouco escolaridade.
Mas tinha muito conhecimento da vida.
Moral e ética sabia muito bem.
E as punha em prática.
Sou feliz por tê-lo como pai (ainda é meu PAI)

Ivon disse...

Que bom minha sobrinha-afilhada termos a felicidade de partilhar a vida desse homem maravilhoso. Eu tenho recordações muito boas ...

Anônimo disse...

Meu PAI se chama José e fez jus ao nome, nome do Santo silêncioso, aquele que na Biblia Sagrada não existe nenhuma palavra sua, mas que nos deu, acho o maior exemplo de fé.
Assim era nosso pai, como bem comentou a Rita, ele era quieto, porém quando falava, ou tomava alguma atitude, era sempre respeitado, pois ele tinha uma sabedoria... que era respeitado até por um simples olhar.
Obrigado Tio, pois me provocou: lindas recordações e fortes emoções. DEUS LHE PAGUE.Tadeu

Anônimo disse...

Nossa, também me emossionei, isso porque não o conheci pessoalmente, mais sei que ele era um homem do bem, um homem maravilhos, meu pai, o Tadeu, me conta muitas histórias, e é atravez dessas histórias que eu conheci meu Avô Zé da Venda....
Obrigada Tio Ivon por tantas lembranças....
Ana Paula.

Sabrina Rocha disse...

Eu conheci o meu avô, mas tinha 2 anos quando ele foi pra junto de Deus, então é como se eu não o tivesse conhecido...sempre ouvi falar muitas coisas dele, e gostaria muito de ter convivido mais com ele, tê-lo conhecido de verdade. Sinto essa falta, assim como sinto a falta dos meus avós maternos também (apesar de ter convivido mais com eles, mas estes também se foram cedo). Obrigada por esta lembrança boa.
Bjo

IVON disse...

Meus amigos e sobrinhos. Falar de MEU PADRINHO, e um exercício de paz e amor.
É deixar a saudade embalar a lembrança com inveja do tempo que se foi. Eita tempo bom

Leticia Seda disse...

Pai, que delicia lembrar do tio Zé.
Me recordo perfeitamente dele e ele ocupa um espaço grande no meu coração.
Lembro-me de sua venda e tb de sua perna.
Mas o que mais recordo é de seu amor por todos.
bj

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