terça-feira, 1 de novembro de 2011

A Morte da Saudade

  



Eu a encontrei caída, abatida sobre a terra que sempre lhe foi amiga, tombada sobre as flores que lhe embelezaram a vida. Eu não vi a sua morte, não presenciei a agonia, mas deduzo que foi dolorosa, que foi terrível ver-se lascada, partida em suas partes, num grito universal de dor. O vento veio forte como se fosse soprado pela boca de mil titãs. Ela lutou bravamente resistindo à força cruel que a fendia. Sacudiu a cabeleira de seus galhos jogando longe ninhos que os passarinhos pensaram estar em segurança e abrigo. O vento que a arrancou e a estraçalhou chorou com ela em respeito ao seu porte e sua luta.

Há quase 50 Anos ela viera das terras frias do Rosário, lá em Delfim Moreira, chacoalhando numa vemaguete azul. Papai, já doente e cansado, escolheu o lugar para ela ficar, e ela se tornou o sacramento da saudade, recordando o tempo feliz que passei com meu velho. Muitas vezes quiseram cortá-la com a desculpa de que estava tomando muito espaço, que era muito grande, mas a recordação de meu pai a manteve viva e a defendeu do machado assassino. Minha esposa contornou seu tronco com belas flores, formando um jardim aprimorado. Orquídeas foram presas em seus galhos e enfeitaram de cores as sombras alongadas. À tarde as sabiás, lá no alto dos galhos, enfunavam o peito para um canto gostoso que nós entendíamos como se estivesse chamando a Letícia.

Agora a gigante foi abatida, tombou solene, altiva, arrastando plantas menores, derrubando acerolas e sufocando goiabeiras. A terra estremeceu com o baque de seu corpo, porém meu coração estremeceu muito mais por causa da saudade que ela representava. Ela foi embora, acabou, mas a saudade ficou como aquele mosquitinho que a gente não vê mas perturba o nosso sono, um mosquito que a gente não consegue ver e muito menos matar.





Perdi a Pereira mais preciosa, a que recordava o amor de meu pai, mas olhando os últimos acontecimentos, me alegro porque Deus conservou a vida de meu neto e de minha nora; não vou mais degustar os frutos adocicados que ela todos os anos fornecia, mas vou conservar o sabor do sorriso e do carinhos dessas duas pessoas queridas. A vida é assim, Deus sempre ameniza as catástrofes.

6 comentários:

Rita Seda disse...

A pereira era grande como o seu amor pelo seu pai, sua mãe,sua família. Você a amava como ama todos e sufocou sua dor de vê-la tombada pelo consolo de ver Luisinho e Sueli recuperados...a situação de sofrimento amenizada!Vocè mostrou que aprendeu e agradecer as dádivas e trocas de Deus.

Rita Elisa Seda disse...

Papai, está na hora de plantar uma nova pereira no lugar. A vida é de ciclos, quando acaba um começa outro, estamos em novo ano. Luizinho e Sueli estão vivos, renasceram, a pereira tombou porque seu cerne estava fraco, morreu. Vamos comemorar essa nova etapa de nossas vidas, vô "Bizorro" está feliz com o aparecimento de uma pereira lá no Paraíso, enquanto aqui na terra sua descendência continua viva... nossa felicidade! Beijos.

Anônimo disse...

Puxa meu amigo e irmão como você escreve bem. Nesta vida tudo nos serve de lição. A perda da pereira o tocou profundamente, pois ela representava a saudade do querido pai. Com certeza se não for arrancada totalmente, do seu velho tronco brotarão novos rebentos de saudade; e com o tempo novamente outras pereiras cheinhas de novas peras adicicadas servirão para continuar a velha e saudosa pereira. Abraços do seu irmão nordestino Chagas.

IVON disse...

Minha duas Ritas, alegrias e encatos de minha vida! Todas as duas de intensa sensibilidade.
Telisa fala de uma pereira no Paraiso eu lhe digo que há uma no meu coração, verde como a esperança e saborosa em seus frutos. essa não é derrubada por nenhum vento e em seus galhos balançam ninhos refrescados pela brisa do AMOR.
Em cada um se aninha um filho, uma filha, com sua família. É a árvore de minha vida.

IVON disse...

Chagas, Meu irmão de coração e afinidades, muito obrigado pelo seu comentário. Estou troncho de saudades de nossas conversas.

Leticia Seda disse...

Com certeza a pereira vai brotar, anunciando que na vida precisamos começar de novo e nunca perdermos a esperança.
Assim como a natureza renasce, também nossa vida muitas vezes precisa ser modificada a partir de um pequeno tronco, que são os valores, para darmos novos ramos e frutos melhores.
É o renascimento da vida, e não a morte de uma pereira.
bj

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