segunda-feira, 8 de agosto de 2011

PEÇA CONTAMINADA


OLHA QUE TRISTEZA! O rapaz estava entristecido, olhando a imagem em cima da mesa. Imagem bonita,de madeira, talhada com esmero, de cortes precisos. Quem a esculpiu era um grande artista, seus traços eram vigorosos, enérgicos e transmitiam movimento á peça. Peça velha, antiga, escura pelo tempo. Tudo parecia perfeito........mas ela estava bichada. O caruncho tinha corroído todo o seu interior, cavou tanto que agora ela era apenas uma casca frágil e delicada, se apertasse com força ficaria em frangalhos. Quando aparecia apenas um buraquinho, alguém o aconselhou a dar um bom banho com querozene, mas isso nada adiantou. Os bichinhos ainda roíam.... No início foi apenas um bichinho que penetrou na madeira. Coisinha pouca, mole, frágil que poderia ser esmagado com o dedinho da mão. Agora é um batalhão de devoradores, roendo sem parar. O técnico em extirpação de cupins disse que era preciso colocar a peça numa estufa com venenos especiais e submeter a fortes temperaturas. Outro aconselhou a desistir, peça que pega cupim só serve para o fogo. A peça era muito bonita e o rapaz não queria perde-la.


Com a nossa vida acontece coisa semelhante.

Somos obras de beleza trabalhadas pelo cinzel das mãos divinas do Criador. Nada se iguala a nós e o salmista diz que somos maiores do que os anjos. Nosso corpo é perfeito em seu conjunto, bonito em sua forma, harmonioso em suas linhas.Todo o universo foi preparado para servir de berço para o homem.

Mas eis, que por descuido, o bichinho voraz da maldade, com todas as suas sete tenazes, rompe a harmonia e corrói o nosso interior, e a maldade se instala faminta alimentando-se do corpo e da alma. Começa com apenas um , mas depois outros diabinhos se juntam e a desgraça está armada. Eles corroem, põem amargura na vida, minam a fortaleza interior, envenenam as ações e transformam a vida em morte. E de repente a gente é só uma casquinha superficial, sem conteúdo, sem cerne, coisinha frágil que se quebra em qualquer dificuldade. Para matar esses diabinhos roedores da paz, da harmonia e do amor é necessário submeter-se á ação inseticida da oração e do jejum, na palavra de Cristo. Sempre corremos o perigo da contaminação, e se a gente se descuidar ele invade e toma tudo numa só bocada. Muitas vezes nos iludimos quando ele se apresenta numa aparência frágil e delicada, de carne rosada e atraente, fala suave e melodiosa. Mas não podemos nos iludir: a maldade se reveste também de beleza para seduzir...





sábado, 23 de julho de 2011

INSONIA


A noite estava se alongando mais do que eu gostaria. A televisão já não mais me atraia, tinha assistido filmes e documentários, filmes antigos, repetidos, que a emissora dizia que eram inéditos e documentários cansativos, sem interesse.O sono não chegava, tinha perdido o rumo de meus olhos, esquecera meu endereço. Devorei capítulos de livros que durante o dia achei interessante, mas, mas que agora não tinha nenhum atrativo. Lembrei-me de um conto que li h muito tempo, parece-me que era de Erico Veríssimo, sobre um homem que teve insônia e acabou indo até em um velório. Mas, ali, na Chácara do Ipê, na Cachoeirinha, não tinha rua para passear, bar para bebericar e nem velório.


A tradição da insônia manda contar carneirinhos e me pus a imaginar como seria esse processo se não havia carneiros, bodes, cabritos e bezerros lá na chácara. Lembrei-me da auto-sugestão que é um tipo de hipnotizar a si mesmo. Houve uma época em que eu era um bom hipnotizador, foi quando estudava psicologia, e praticava a hipnose em meus sobrinhos. Um deles deixou de fumar pela sugestão hipnótica, o outro ficou tão dependente de mim que eu segurava sua mão, assim numa boa, e dizia que ele não iria conseguir tirá-la da minha, e ele não conseguia mesmo. Imaginei ser fácil fazer a auto sugestão, e bestamente me pus a dizer, como se fosse um mantra, “ você vai dormir”, “você vai dormir”. Mas tinha me esquecido de uma coisa, para a hipnose fazer efeito é preciso acreditar nela e eu não estava acreditando nadinha. Cansei e não dormir.

Resolvi fazer um chá. Mamãe, e também a Rita, sempre falaram que um chá de erva cidreira de capim, ótimo para acalmar o espírito e fazer o sono chegar. Fui ao quintal levando uma lanterna barata, comprada na barraquinha da festa de Santa Rita, daquelas lanternas de leds, recarregáveis, para alumiar, e, com tesoura, cortei algumas folhas de erva cidreira. A noite estava de céu limpo, estrelas assustadoramente brilhantes, a lua era um enorme queijo mineiro, branquinho e suculento, servido numa mesa azul. Aquela apresentação deslumbrante espantava mais ainda a chegada do sono. Fervi a água, sem deixar fazer muitas bolhas para não perder o oxigênio, e deitei as folhas colhidas. Que desastre! Não eram de erva cidreira. No desleixo que a falta de sono causa, no desespero de querer dormir, tinha colhido folhas de citronela. Eu percebi uma vantagem no que estava acontecendo, iria ver o sol nascer, lá no terraço, lugar alto, de vista privilegiada. Abri uma cadeira espreguiçadeira, acomodei-me com conforto, de frente para o nascente e pus-me a esperar o nascer do sol. Teria em meu currículo o fabuloso espetáculo do sol se erguendo atrás da montanha. Acordei já com sol alto, e a Rita me sacudindo perguntando a razão de não ter dormido na cama...