segunda-feira, 5 de março de 2012

VESTIDA PARA DANÇAR



Lá estava ela,do outro lado do salão, conversando com as amigas. Vestida para dançar, cabelos castanhos enrolados num adorno, olhos esverdeados. E ela sorriu. Não foi apenas um sorriso, foram cintilações de sol iluminando o salão, mais forte do que todas as luzes.Era também um sorriso que embriagava pois eu fiquei tonto, tive vertigens, deu zonzeira..... Eu queria dançar com ela, senti-la nos braços, afagar seu cabelo, apertar sua cintura e falar e falar ao seu ouvido. Não queria conversar. Isso não. Queria falar e dizer que a amava, queria dizer que estava apaixonado e que era feliz só por vê-la. Queria muitas coisas, mas tinha medo. Faltava coragem para atravessar os poucos passos do salão, ir lá onde ela estava e convidá-la para dançar. Não tinha coragem e então resolvi buscar auxilio e fui tomar uma bebida para afugentar o medo e desci para o bar. A bebida não me ajudou, ao contrário, ela queimou no estomago, colocou um hálito de carniça em minha boca e me deixou triste. Como poderia chegar perto dela, falar com ela com a boca cheirando podridão? O baile acabou, as luzes apagaram e eu desci a rua da ponte como um cachorro vadio, com o rabo entre as pernas.


Outro baile chegou com novas esperanças e a promessa de ser valente e lá estava eu de terno de linho branco, linho irlandês, gravata borboleta preta,de cetim, lenço no bolsinho e muita coragem... e a vi, mais bela do que antes, mais desejada ainda. Eu ainda tinha dúvida se ia ou não convidá-la para a dança, quando, assim de repente, ela olhou para mim. Não foi um olhar casual porque demorou no olhar. Era um olhar que dizia pode vir, estou a sua espera, eu quero... e eu fui, atravessei o salão,sentindo-se cavaleiro medieval montado em cavalo branco,armas reluzentes, para conquistar a princesa aprisionada. Cheguei até ela e gaguejei um cumprimento, e a voz enroscada na garganta nem chegou a convidá-la, mas ela sorriu e me acompanhou, como uma rainha que atende ao súdito. Minha mão esquerda envolveu sua cintura e a direita segurou sua mão. Ela descansou a mão no meu ombro e nossos corpos se juntaram como duas mãos num momento de oração. Eu a sentia, como sentia a vida, o ar a felicidade, o corpo macio, delicado, deslizando junto ao meu, no compasso de dois pra lá, dois pra cá, imposto pelo bolero. A felicidade era tanta que dava vontade de gritar para todos ouvirem. Parecia que só estávamos nós dois, mais ninguém. O mundo era nosso, a vida era nossa, o momento era nosso, como num conto de fadas, num salão todo cheio de luzes. Os violinos sugeriam voar, rodopiar entre as nuvens, dois anjos decaídos ou dois santos pecadores, de corpos colados, na cumplicidade da música. Na emoção dos olhos nos olhos ela falou, não foi uma voz humana, articulada por cordas vocais, foi o som etéreo de um serafim apaixonado criando ondas de paixão, como a pedra que cai no lago adormecido. Sua voz penetrou minhas células, peregrinou por meu sangue e fluiu quente no coração e eu fechei os olhos e me deixei levar...........e naquele momento tive certeza de que encontrara a mulher certa, a mulher que iria ser a mãe de nossos filhos... eu sei que vivi a felicidade...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O menino e a Rainha da Cachoeira





Eu morava em Delfim Moreira, na cidade, e minha irmã e madrinha na Fazenda Alegria das fábricas Peixe, onde meu cunhado-padrinho era o administrador. Aos domingos, pela manhã, subia o morro do Taboão rumo à casa de meus padrinhos, onde brincava com meus sobrinhos que eram poucos mais jovens do que eu. Muitas vezes ia de bicicleta Phillips, toda equipada, farol, farolete, retrovisores ornados com fitas coloridas. Quase toda a subida era feita a pé,empurrando a magrela, mas na volta, era uma delícia, não se fazia força, era deixar rodar, morro abaixo,fazendo curvas em velocidade. Certa vez ao fazer uma curva dei de encontro com homens que voltavam da cidade, alguns embriagados, andando no meio da estrada. Não deu outra, atropelei o mais alto e creio que mais bêbado, enfiando a bicicleta no vão das pernas do homem e jogando-o ao chão. Cai por cima dele e rolamos na poeira vermelha. O homem não teve tempo de fazer nada, pois enquanto ele se levantava, capengando por causa da bebida,(ou do atropelamento, sei lá!), eu já ia longe montado numa bicicleta avariada. Nem ouvi direito seus xingos, tanta era a pressa e o medo. Dessa estrada se avista uma cachoeira enorme, alta, volumosa, que é a atração dos jovens e visitantes. Lá do alto ela deixava cair, escorregando pelas pedras uma espuma branca e leitosa como o leite tirado da vaquinha Mimosa, que se espatifava nas pedras de sua base e formava uma lagoa borbulhante. Os adultos advertiam sobre o perigo dessa lagoa, que era profunda, formando um pilão que moía tudo que nele caia. Não se podia nadar nas redondezas desse pilão e nem tentar escalar a cachoeira. Eu respeitava a advertência e acima de tudo tinha medo, muito medo, pois Zé Candido, o dono daquela venda na curva da estrada, me contava histórias escabrosas. Quase toda noite, Zé Candido saia de sua vendinha e ia para a cidade para contar histórias, sentado no banco da Pharmacia N.S. da Soledade, de propriedade do papai. Seu repertorio era vasto e prendia meu interesse a ponto de esquecer a fome, o cansaço e as horas. Era uma delícia ouvi-lo em seu linguajar caboclo, narrar histórias de aventuras e assombrações e tirar de tudo uma lição de moral. Ele contou que existia, no fundo do pilão da cachoeira uma mina de ouro que era guardado por sua deusa e dona, e nas noites de lua cheia, à meia noite, em ponto, antes de terminar de bater as doze pancadas, as águas se congelavam, ficavam parada, não caiam das pedras, e nenhum som era ouvido, nem o barulho das águas e nem o dos bichos do mato. Nessa hora a deusa aparecia e pintava de dourado o lugar que tinha ouro. Mas ninguém podia olhar senão ficava enfeitiçado e ela levava para o seu reino como escravo. Muitas daquelas pedras que circundavam a lagoa eram pessoas que foram enfeitiçadas. Para não se deixar enfeitiçar só olhando por meio de um espelho, olhar indireto, sem olhar diretamente a deusa. Foi assim que alguns bandeirantes encontraram ouro, como aconteceu com Miguel Garcia. Certa vez eu fiquei até mais tarde num dos bailes que o seu Juca Rocha dava em sua casa lá na Peixe, tentando ver e falar com sua filha que eu queria namorar.O certo é que desci, devagar, emburrado por não ter falado com a menina e nem notei que as horas estavam avançadas. Nem era meia noite ainda, por muito e muito eram dez e meia, mas minha imaginação me fez ver o perigo da meia noite, ao ver a brancura da cachoeira. A lua branca brincava de espelho, redondo, num céu frio cheio de estrelas e iluminava os moldes dos pés e pneus na poeira fina da estrada. Eu não tinha relógio, mas tinha medo, eu estava com frio e tinha medo. Qualquer coisa que eu tivesse, o medo era muito maior. Esse medo me fez ver a deusa do ouro, pairando em cima das águas e soltando faíscas das mãos. Não queria olhar, mas desejava ver o que ia acontecer, não por causa do ouro, mas para saber como era essa tal deusa. O coração pulava mais do que cabrito,mais do que quando eu via a Ivete, e arrisquei uma olhada. Umazinha, rápida, não faria mal. A tal deusa nem iria perceber. E então arrisquei, olhei, de soslaio, olhar de medo e de curiosidade, olhei..... e perdi a direção da bicicleta. Fui de encontro ao barranco. Cai estatelado e uma turma de pássaros noturnos, sentindo-se ameaçados, bateu em retirada, fazendo alvoroço. Do chão vi a lua zombeteira, rir de minha idiotice. Cheguei em casa, sujo, amarrotado, empurrando a bicicleta e jurando que tinha sido derrubado pela deusa do ouro....