sábado, 2 de junho de 2012

O contador de histórias




A conversa se desenvolvia calma, com alguns risinhos, relembrando a terra em que eles nasceram. Moravam muito distante um do outro. Um aqui, outro lá no fim do mundo. Não era um tirinho de espingarda como dizem os mineiros, era algo como longe pra burro. A conversa era pela internet entre tio e sobrinha, mais do que sobrinha, era também afilhada, portanto sobrinha-afilhada. Eles digitavam e expressavam a alegria com kkkkk ou rsrsr. Ela durante alguns anos, quando era criança, morou na casa da vó para lhe fazer companhia, embora residisse na mesma cidade e por isso compartilhavam as mesmas lembranças. A conversa era corriqueira, as vezes até sem sal nem gordura, e esbarrou no comentário do frio que estava chegando com alguma intensidade. Lá no alto da Mantiqueira, onde eles viveram, o frio era violento, daqueles de deixar tudo congelado, as roupas no varal ficavam durinhas, a água da bacia se transformava numa crosta de gelo que as crianças usavam para brincar e não saia a água na torneira do quintal. É um frio dos infernos dizia o Chico Ripa, embora, todos sabem que o inferno é quente... Ela recorda que nas noites muito frias, naquele tempo do onça, costumava-se colocar garrafas com água quente para esquentar a cama. E a única vantagem que tinha nesse tempo é que poderia usar o calçado, um Conga de lona azul e sola de ráfia enrolada. Era a sensação. Era um tempo difícil, disse ela, época de dificuldades, de pouca coisa, mas nós nos sentiamos felizes e o que faltava não atrapalhava de ser feliz.

Á noite o Zé da Venda, pai da menina, reunia a família em torno da lareira, lá na Fazenda da Peixe, onde era o administrador, as crianças assentadas no chão e ele a contar histórias de assombração. Isso mesmo, de assombração! Todo mundo conta histórias de fadas para a criança dormir. Ele era diferente, contava coisas de assombração, e olha que lá naquela terra existiam muitas histórias nesse tipo. Maria Rita contou que a história de que mais lhe dava medo, não era a da mula sem cabeça, e nem do Saci Pererê, era a da porca com sete leitõezinhos, que saia do buraco do barranco, toda noite, por volta da meia noite.Perguntei porque tinha medo de uma coisa tão boba e ela não soube explicar, só sabia que quando a história era essa, ela corria para a cama, deitava e cobria a cabeça. Passava a noite toda de cabeça coberta.

Como explicar o coração da criança?..........







segunda-feira, 5 de março de 2012

VESTIDA PARA DANÇAR



Lá estava ela,do outro lado do salão, conversando com as amigas. Vestida para dançar, cabelos castanhos enrolados num adorno, olhos esverdeados. E ela sorriu. Não foi apenas um sorriso, foram cintilações de sol iluminando o salão, mais forte do que todas as luzes.Era também um sorriso que embriagava pois eu fiquei tonto, tive vertigens, deu zonzeira..... Eu queria dançar com ela, senti-la nos braços, afagar seu cabelo, apertar sua cintura e falar e falar ao seu ouvido. Não queria conversar. Isso não. Queria falar e dizer que a amava, queria dizer que estava apaixonado e que era feliz só por vê-la. Queria muitas coisas, mas tinha medo. Faltava coragem para atravessar os poucos passos do salão, ir lá onde ela estava e convidá-la para dançar. Não tinha coragem e então resolvi buscar auxilio e fui tomar uma bebida para afugentar o medo e desci para o bar. A bebida não me ajudou, ao contrário, ela queimou no estomago, colocou um hálito de carniça em minha boca e me deixou triste. Como poderia chegar perto dela, falar com ela com a boca cheirando podridão? O baile acabou, as luzes apagaram e eu desci a rua da ponte como um cachorro vadio, com o rabo entre as pernas.


Outro baile chegou com novas esperanças e a promessa de ser valente e lá estava eu de terno de linho branco, linho irlandês, gravata borboleta preta,de cetim, lenço no bolsinho e muita coragem... e a vi, mais bela do que antes, mais desejada ainda. Eu ainda tinha dúvida se ia ou não convidá-la para a dança, quando, assim de repente, ela olhou para mim. Não foi um olhar casual porque demorou no olhar. Era um olhar que dizia pode vir, estou a sua espera, eu quero... e eu fui, atravessei o salão,sentindo-se cavaleiro medieval montado em cavalo branco,armas reluzentes, para conquistar a princesa aprisionada. Cheguei até ela e gaguejei um cumprimento, e a voz enroscada na garganta nem chegou a convidá-la, mas ela sorriu e me acompanhou, como uma rainha que atende ao súdito. Minha mão esquerda envolveu sua cintura e a direita segurou sua mão. Ela descansou a mão no meu ombro e nossos corpos se juntaram como duas mãos num momento de oração. Eu a sentia, como sentia a vida, o ar a felicidade, o corpo macio, delicado, deslizando junto ao meu, no compasso de dois pra lá, dois pra cá, imposto pelo bolero. A felicidade era tanta que dava vontade de gritar para todos ouvirem. Parecia que só estávamos nós dois, mais ninguém. O mundo era nosso, a vida era nossa, o momento era nosso, como num conto de fadas, num salão todo cheio de luzes. Os violinos sugeriam voar, rodopiar entre as nuvens, dois anjos decaídos ou dois santos pecadores, de corpos colados, na cumplicidade da música. Na emoção dos olhos nos olhos ela falou, não foi uma voz humana, articulada por cordas vocais, foi o som etéreo de um serafim apaixonado criando ondas de paixão, como a pedra que cai no lago adormecido. Sua voz penetrou minhas células, peregrinou por meu sangue e fluiu quente no coração e eu fechei os olhos e me deixei levar...........e naquele momento tive certeza de que encontrara a mulher certa, a mulher que iria ser a mãe de nossos filhos... eu sei que vivi a felicidade...